04/02/2020 - 16:33
Com 45% dos lares brasileiros chefiados economicamente por mulheres, é preciso que tiremos do sexo feminino o fardo de sobreviver a qualquer custo. Devemos abrir caminhos para que elas encontrem uma forma saudável de conciliar todas as pressões que enfrenta. Nesse quesito, Alessandra Andrade, gestora do Business Hub da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), conta que é importante capacitar empreendedoras, mas não podemos parar por aí. É necessário mudar desde a cultura dos bancos que oferecem crédito mais caro a mulheres – mesmo sendo elas menos inadimplentes que os homens – até pressionar o poder público para que as escolas municipais e estaduais tenham período integral. Para os pais e maridos, uma alerta: a onda feminina está chegando, e elas não querem dividir só as despesas, estão prontas para dividir também as responsabilidades dentro do lar.
DINHEIRO – Qual é a atual situação do empreendedorismo feminino?
Alessandra Andrade: Na parte de empreendedorismo inicial, atualmente, o País tem 24 milhões de mulheres. Só que elas estão começando ainda a criar algum negócio sem muito padrão, sem muita frequência. Ainda não se transformaram em dona de negócios, quando passa a ter um processo repetitivo. A pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) que mapeou o Brasil em 2018 mostra que em cada 10 empreendedores homens, 6,5 viram donos de negócios. Eu acho que vale a pena a gente esclarecer o que é empreendedorismo por necessidade, o que é empreendedorismo por oportunidade. Nos países em desenvolvimento, o Brasil incluso, havia aumento do empreendedorismo sem necessariamente avanço do Produto Interno Bruto (PIB). Nos países emergentes, não existe outra forma de sustento para essas pessoas, a não ser empreender. E isso reflete em negócios com empreendedores menos preparados, com menor capital e envolvimento tecnológico e poucas inovações, além da economia do País, por não gerar grande renda.
D: O que mudou nos últimos 20 anos?
A: Está havendo uma significativa mudança social e cultural nesse mercado, com papel de destaque para as mulheres. E eu acho que o empreendedorismo traz um protagonismo onde a mulher não fica refém ao ser comparada com o homem na empresa. A gente tem ainda muitos casos de empresas que não remuneram as mulheres da mesma forma que os homens. E quando ela parte para o empreendedorismo, parte para ser dona do seu próprio negócio, sem barreiras para seu desenvolvimento profissional. Além disso, o empreendedorismo, de maneira geral, tem facilitado para que as mulheres conciliem a carreira com a vida pessoal, com a família.
D: Quais mulheres empreendedoras te inspiram?
A: Hoje, a gente tem várias referencias de mulheres empreendedoras no Brasil, vou citar aqui a Luiza Helena Trajano, que tem uma bela história junto ao varejo, no comando de uma das maiores empresas do País. Mas quando eu era jovem não existiam essas grandes referencias no Brasil e a primeira empreendedora mulher que me impactou muito foi a inglesa Anita Roddick. Ela teve sua passagem pelo Brasil entre 2001 e 2002. Foi fundadora da The Body Shop. Acho que as mulheres quando empreendem atuam com muita ética e responsabilidade. E a Anita, quando esteve aqui no Brasil, usou uma frase que me impactou e que eu uso até hoje nas minhas aulas. “A diferença entre os empreendedores e os loucos é que os empreendedores conseguem comunicar com paixão a sua loucura”.
D: Qual o contexto do empreendedor por necessidade no Brasil?
A: Em contexto geral o empreendedorismo brasileiro ainda tem uma taxa importante de negócios por necessidade, mas hoje já não é mais a maioria. Quando esse estudo do GEM começou, as taxas de empreendedorismo por necessidade eram em torno de 70%. A crise econômica afetou todas as classes sociais e a saída foi empreender. Então de 2014 para cá, a taxa de atividade empreendedora aumentou muito, com maior peso na questão da necessidade. Mas agora, que começamos a ter um vislumbre de uma melhora na economia, você vai ver muitos desses negócios fechando.
D: Por que vão quebrar?
A: A pessoa que não tem o objetivo de empreender e nem o espirito empreendedor, eventualmente se vê forçada a empreender, porque não tem outra opção de sustento. Mas a partir do momento que a economia melhora e as vagas de trabalhos começam a aparecer, muitas pessoas decidem fechar as empresas para voltar ao mercado formal de trabalho, onde elas possuem “entre aspas” uma segurança maior. Mas trabalhando com jovens, eu observo que cada vez mais empreender é uma opção de carreira, que não era representada antes. Então vamos ter ai um bom aumento da taxa de atividade empreendedora nos próximos anos. Mas também vejo uma volta, uma maior retomada da taxa doempreendedorismopor oportunidade. Mas hoje já é uma realidade e mais 50% empreendem por oportunidade.
D: Como está o acesso ao crédito?
A: Hoje, 45% das mulheres donas de negócios se consideram chefes de domicilio. E as donas de negócios em sua maioria já estão na empresa há mais de dois anos, só que dois terços das mulheres donas de negócios trabalham sem CNPJ, o que por si só já trazem uma maior dificuldade de acesso ao crédito. As empreendedoras com CNPJ, na categoria de MEI tomam menos empréstimos. As proporções são menores e os valores médios dos empréstimos também são menores que dos homens. Só que elas pagam taxas de juros maiores, apesar da inadimplência feminina ser mais baixa. Então o mercado ainda é restritivo para as mulheres que empreendem e vezes recorrem menos ao sistema formal de crédito. Há mulheres buscando mais crédito em cooperativas, na família e amigos que nos bancos.
D: Como chegar a áreas que são “tradicionalmente” masculinas?
A: Nessa pesquisa do GEM, o percentual de mulheres em algumas categorias é predominante. No Varejo de vestuário e acessório, por exemplo, 76% são mulheres. Trata-se do perfil de empreendedorismo por necessidade. É comum buscar aquilo que já faz parte do tradicional feminino, mas é preciso virar a chave das mulheres para elas se prepararem para empreender por oportunidade, buscando conhecimento técnico e acadêmico a favor do seu negócio.
D: Quais características definem uma empreendedora?
A: Acho que a mulher passou por uma evolução biológica, histórica e cultural muito grande. No passado, era responsável por cuidar da tribo, enquanto o homem caçava. Com isso desenvolveu uma visão que consegue ter uma percepção geral do ambiente em que está. A mulher tem muito mais empatia, além disso, são comprometidas e estão dispostas a se sacrificar pelo resultado em prol do coletivo. Também são proativas e têm responsabilidade, até porque na família, a responsabilidade do filho, da gravidez precoce sempre é da mãe, da mulher. Então ela é educada desde o inicio para ter responsabilidade pelo que ela faz.
D: E uma boa líder?
A: A mulher é competente na condução da equipe, tem boa comunicação, quando vai para eventos sociais têm a capacidade de criar conexões muitos fortes. A mulher culturalmente está acostumada a ter que suportar grandes cargas a muitas vezes deixar todo mundo pleno, para que ela consiga passar um obstáculo maior. Acho fundamental também citar a flexibilidade – essa questão de analisar e avaliar rapidamente a situação e reagir a ela. Mulheres são criativas.
D: Então o que falta?
A: Falta ainda nas mulheres a necessidade e vontade de independência, de assumir a própria vida. Há ainda muita falta confiança. A mulher sempre acha que não sabe o suficiente, não estudou o suficiente, que não se preparou o suficiente, que não vai dar conta. E um homem, tendo a metade dessa capacidade, se acharia pronto. Então acho que essas coisas acabam atrasando e dificultando a mulher de se tornar empreendedora.
D: Porque por tanto tempo a mulher ficou longe do empreendedorismo?
A: Existe uma grande mudança da sociedade, como número de casamentos desfeitos e mulheres com mais autonomia e independência financeira. Mas ao mesmo tempo, o mercado trabalho ainda é bem sexista, o que traz dificuldades para mulheres no desenvolvimento de suas carreiras.