08/02/2020 - 8:00
Esta coluna apresenta, há três semanas, uma lista que será encerrada em 21 de abril próximo – data que marcará os 60 anos da inauguração da capital federal. Nesta lista, 60 motivos culturais para amar Brasília. Seus marcos que a transformaram em algo maior, muito maior que uma mera experiência de interiorizar a sede do país são, muitas vezes, já bastante conhecidos de todos. Outros, não. Hoje entram em cena, por aqui, portanto, os que projetaram e ainda projetam, com som e forma, essa história: são os cineastas de Brasília.
52 – Os Irmãos Carvalho
Definitivamente Brasília não seria tão bem transcrita se não fosse o olhar desses dois irmãos paraibanos, Walter e Vladimir Carvalho. Vladimir é o mais velho, começou ainda na época do cinema novo a produzir documentários. Dentre eles, “Brasília segundo Feldman” (1979), e “Rock Brasília, a era de ouro” (2011).
Em mais de 50 anos na ativa – sendo professor da UnB em pelo menos 30 deles – Vladimir criou em 1994 a Fundação Cinememória, no comecinho de uma das avenidas mais icônicas de Brasília, a W3 Sul. O objetivo? Conservar parte da memória da produção cinematográfica em que esteve (e em que não esteve também), ao longo destas cinco décadas. Hoje, todo este acervo pertence à UnB porque, em 2012, ele resolveu doar tudo – inclusive a casa – para a universidade…
Já Walter se tornou referência em fotografia para cinema e iluminação, e depois se tornou diretor de importantes obras no cinema e na televisão ao longo do Ciclo da Retomada (período em que o cinema brasileiro voltou a produzir em volume substancioso – e é considerado o atual momento, desde 1995, quando foram lançados “O que é isto, companheiro?” e “O Quatrilho”, entre outros). Dentre eles, Central do Brasil (1998), Carandiru (2003) e Budapest (2009). Seu nome figura nesta lista embora não tenha obra vinculada a Brasília como seu irmão, porque é figura tarimbada no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e “herdeiro” da obra de Vladimir.
51 – Adirley e o Cinema de Ceilândia
Tiros em um baile de black music em Brasília ferem dois homens, que ficam marcados para sempre. Um terceiro vem do futuro para investigar o que aconteceu. Uma mistura de documentário e ficção de Adirley Queirós. É “Branco sai, preto fica”.
Nascido e morador de Ceilândia, a maior cidade do Distrito Federal, Adirley desloca o olhar da Brasília planejada e expõe os problemas e mazelas da periferia, com conhecimento de causa. Mas não se trata de fazer cinema de lamentação ou mero denuncismo: é também um retrato da riqueza cultural armazenada naquele pedaço de Brasília que nasceu da negligência de antigos governantes para com uma parcela da população que chegou ao Planalto Central para construir a nova capital. “Ceilândia”, aliás, tem este nome porque deriva de CEI – Centro de Erradicação de Invasões. Se você assistiu “Cidade de Deus”, deve se lembrar de processo semelhante no Rio de Janeiro, quando da criação daquele bairro. Nessa pegada, Adirley dirigiu também “A cidade é uma só?”, contando a história de Ceilândia.
Detalhe: o ator principal, Dilmar Duraes, é também funcionário da nossa EBC
50 – Afonso é uma Brazza
O título deste tópico é também o de um documentário de James Gama e Naji Sidki, de 2015. E, como no documentário, precisamos falar sobre este bombeiro militar que se tornou cineasta: Afonso Brazza.
Nascido no Piauí, ainda criança foi morar no Gama, uma das cidades mais afastadas do centro da capital federal. Adulto, conheceu Zé do Caixão em São Paulo, e participou do movimento Boca do Lixo. Tempos depois voltou para o Gama, casado com Claudete Joubert, musa dos filmes da época. Sempre com baixíssimo orçamento, Brazza fez oito filmes, como “Inferno no Gama”, “No Eixo da Morte” e “Fuga sem Destino” – todos em Brasília.
E o que dizer desta cena, em que o próprio Brazza mata Rodolfo Abrantes, vocalista da formação original da banda Raimundos?
Brazza morreu em 2003, vítima de um câncer, mas teve o gostinho de ver o seu “Tortura selvagem, a grade”, em 2001, vender mais bilhetes que o concorrente Fernando Meirelles, nas duas semanas de exibição do filme em uma das salas de cinema de Brasília.
49 – Renata, Iberê, René, Dellape e Chamorro
Essas imagens são do curta “Requília”, de Renata Diniz. Ela transforma as quadras residenciais de Brasília em pura poesia.
Essas outras são de “Faroeste Caboclo”, de René Sampaio. Ele fez o que todo mundo já imaginou – transformar em filme essa letra da Legião Urbana que é um roteiro completo, com começo, meio, clímax, jornada do herói, mocinho, bandido, musa, tudo. A diferença entre ele e todos os demais é que… ele foi lá e fez – ainda mais porque sabia que era possível, né?
Olha o que o Santiago Dellape faz em “Ratão”? O cara põe um carro para voar por esses viadutos, que em Brasília se chamam “Tesourinhas”…
Olha o que faz o Iberê Carvalho, ao produzir declarações de amor por Brasília tão lindas quanto “O Último Cine Drive-in”? Uma ficção que expôs um drama real, sobre o funcionamento do único estabelecimento deste gênero que sobrevive na América Latina. Sua exibição no próprio, com a presença do diretor e do elenco, lotou o espaço e deu novo impulso de visitações desde então. O que não significa que a situação esteja fácil por lá, mas… O registro em forma de arte – de sétima arte – está feito agora.
Para encerrar essa lista, Otávio Chamorro brinca com a juventude escolar de Brasília em “Vagabunda de Meia Tijela”, no melhor humor brasileiro que, mais do que parecer, satiriza os filmes teens americanos…
A nova geração de cineastas de Brasília é assim, como a cidade é ao completar 60 anos: inventiva, criativa, poética…
* Morillo Carvalho apresenta o programa Fique Ligado