01/04/2020 - 11:18
Dos hospitais senegaleses até as farmácias de rua camaronesas, passando por empresas farmacêuticas sul-africanas, o continente africano, desarmado diante do coronavírus, aposta na cloroquina, um medicamento bem conhecido por seus habitantes.
O tratamento e seus derivados, como a hidroxicloroquina, utilizados durante anos para curar a malária no continente, provocam esperança ao redor do mundo no combate à pandemia viral.
Mas sua eficácia está longe de comprovação e seu uso generalizado divide a comunidade científica.
Apesar dos pedidos da Organização Mundial da Saúde (OMS) por cautela no continente africano, que dispõe de poucos recursos para lutar contra o novo coronavírus, as autoridades de muitos países não hesitaram por muito tempo.
Em Burkina Faso, Camarões e África do Sul, por exemplo, os governos autorizaram rapidamente as estruturas hospitalares a tratar os pacientes com o medicamento.
E um estudo, similar ao do cientista francês Didier Raoult, foi divulgado na África do Sul.
No Senegal, quase metade das pessoas infectadas receberam a prescrição de hidroxicloroquina, informou à AFP o professor Musa Seydi do hospital de Fann, em Dacar. Todos os pacientes aceitaram, “sem qualquer exceção”, destaca.
Entusiasmo compartilhado pela República Democrática do Congo, onde o presidente Félix Tshisekedi declarou na semana passada que é “urgente” produzir cloroquina “em quantidade industrial”.
Na África do Sul, uma das maiores empresas farmacêuticas prometeu doar 500.000 comprimidos às autoridades de saúde.
“Se ficar demonstrado que a cloroquina é eficaz, a África, que importa a maior parte de seus medicamentos, talvez não seja a prioridade (para os laboratórios)”, advertiu Yap Bum, representante do Epicentro na África, o departamento de pesquisas da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF).
A França proibiu a exportação do remédio e o governo do Marrocos apreendeu todo o estoque. Um medo que já chegou às ruas.
“Nas farmácias de Yaoundé (capital de Camarões) não são mais encontrados, os estoques acabaram”, afirmou Bum.
“Os habitantes compraram todos os comprimidos, ao que parece sem receita médica. Isto é perigoso”, lamenta.
O governo camaronês publicou um comunicado no qual pede aos profissionais de saúde que não cedam à tentação do lucro e que não prescrevam o medicamento a título preventivo.
Em várias grandes cidades africanas, como Abidjan (Costa do Marfim) ou Luanda (Angola), os moradores correram às farmácias atrás dos remédios. O mesmo fenômeno foi observado no Malauí, onde ainda não foi anunciado oficialmente nenhum caso.
Em Libreville (Gabão) as filas diante das farmácias também são longas, explica Armelle Oyabi, presidente de uma associação de pessoas com lúpus, doença autoimune tratada com hidroxicloroquina.
Desde sábado, ela está atrás do balcão da única farmácia que ainda possui um estoque. “Verifico se o remédio será entregue aos que precisam”, explica.
– Automedicação perigosa –
Os especialistas estão preocupados com o frenesi e temem a automedicação. “Para os cardíacos isto pode ser fatal”, adverte Yap Bum.
“As overdoses podem provocar a morte”, completa Alice Desclaux, médica antropóloga do Instituto de Pesquisas para o Desenvolvimento (IRD) no Senegal.
Na semana passada, duas pessoas intoxicadas com cloroquina foram hospitalizadas na Nigéria, onde o remédio é obtido ilegalmente nas ruas.
“A cloroquina sempre esteve presente no circuito informal da África”, explica Desclaux. “Ainda é utilizado para provocar abortos”.
Em uma farmácia clandestina de um bairro de Duala (Camarões) Lucien, o gerente, confessa ter vendido o estoque. “Os clientes reclamam, mas não está disponível imediatamente, terei que fazer um novo pedido”.
Ele, no entanto, alerta que os preços subiram e adverte que o comprimido é vendido agora a 65 centavos de euro, quatro vezes mais caro que há algumas semanas.
Uma professora, de 60 anos, admite que comprou um na semana passada. “Eu guardo para alguma necessidade”.