06/04/2020 - 12:59
Quando acabar o período de isolamento social e a pandemia de coronavírus derem sinais de desaceleração, o artista plástico Bruno Freitas pretende reabrir seu ateliê na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, com a exposição Quarentena.
São 40 retratos produzidos ao longo do período de confinamento pelo artista de 34 anos que já expôs na Irlanda e venceu dois prêmios da Associação Paulista de Belas Artes. As obras estão sendo criadas a partir de fotos enviadas por conhecidos e anônimos pelas redes sociais. A intenção de Bfrema – nome artístico – é conectar pessoas de alguma forma nesse momento de isolamento social e, quando tudo passar, propor reflexão.
O principal projeto da jornalista Cris Parziale quando a vida voltar ao normal é celebrar o aniversário do filho, Marco, que fez 10 anos em 12 de março. Não teve festa. Por enquanto, ele está aceitando bem o adiamento. Virou o jogo e a quarentena agora é motivação. “Quando acabar tudo isso, eu vou ter uma festa”, diz o aluno do 5º ano do Colégio Candelária, em Indaiatuba, interior de São Paulo.
Ele até “abriu mão” do presente. Os avós maternos deram R$ 500 para comprar o que quisesse. Com lojas fechadas e o aumento do consumo de refeições entregues em casa, deu o dinheiro para a mãe comprar “pão, carne ou Coca-Cola”. Depois, será “reembolsado”.
Como ficou mais ou menos claro pelas entrelinhas, a questão proposta para o Bruno e a Cris foi: “O que você gostaria de fazer após a quarentena?”
Esses e outros relatos comprovam que o isolamento esgarçou, mas não rompeu a capacidade de pensar a vida após a pandemia. “Nós saímos do piloto automático e paramos para pensar na vida. Por um lado, isso pode trazer desespero e ansiedade. Por outro lado, pode abrir horizontes”, diz o filósofo Gerson de Moraes, professor da Universidade Mackenzie. “Precisamos absorver a ideia de que o mundo anterior não existe mais e tentar sair como pessoas melhores. Aí começam os projetos. A esperança nos conecta ao futuro. Hoje, nós estamos presos no tempo e no espaço, mas conseguimos sonhar com algo melhor”, explica.
No caso da assistente social Sandra Farinazzo Maioli, seu projeto pessoal aponta para o futuro, mas também representa um acerto de contas com o passado. Em janeiro de 2019, ela sofreu um grave acidente de carro que resultou na morte de dois amigos. Uma das sequelas foi a necessidade de uma cirurgia de hérnia abdominal, que estava marcada para o dia 27 de março. Como todas as cirurgias eletivas no País foram adiadas, o procedimento não tem data para ocorrer. “Fazer essa cirurgia é a última etapa de um longo processo para voltar à vida normal”, diz a profissional de um hospital psiquiátrico na cidade de Jandaia do Sul, no Paraná.
A exemplo do artista Bruno Freitas, o cantor Carlos Navas aposta na arte para seguir adiante. Intérprete independente há 24 anos, com dez discos gravados, Navas pretende intensificar os projetos infantis e educativos no segundo semestre. Um dos seus projetos de maior sucesso é o show Chico & Vinicius para Crianças, que já foi visto por mais de 300 mil pessoas. “A música será mais reconhecida como instrumento de autoconhecimento, reflexão e cidadania. Meu trabalho faz olhar para dentro. Acho que as pessoas estarão mais abertas para experiências desse tipo”, diz.
Os planos para o segundo semestre também podem significar um ajuste de direção na própria vida. Em agosto passado, a enfermeira Luciana Fracarolli Garcia, de 39 anos, foi para o Canadá estudar inglês e trabalhar. Enquanto cursava as aulas na Thompson Rivers University, em Kamloops, província de British Columbia, tentava a validação do seu diploma brasileiro.
Três fatores fizeram com que ela mudasse seus planos: o atraso na documentação, a falta de adaptação à nova realidade e o fato de a mãe, dona Denise, ter ficado sozinha no Brasil – é viúva e tem 60 anos. “Fiquei pensando sobre quem faria as tarefas do cotidiano para ela, como ir ao supermercado ou acompanhá-la ao hospital, se isso fosse necessário, em época de quarentena.”
Por isso, Luciana decidiu antecipar a volta ao Brasil. Seu plano principal agora é retomar a carreira por aqui. “Tomei a decisão certa, mesmo que São Paulo registre mais casos de coronavírus do que a região onde eu morava no Canadá”, avalia.