19/09/2020 - 12:00
A prorrogação da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba apenas até janeiro de 2021 levanta dúvidas sobre qual modelo para grandes investigações a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve adotar no ano que vem. Até dezembro, o Ministério Público Federal (MPF) deve decidir se será criada a Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), divisão que substituiria o modelo que consagrou a operação e concentraria poderes na PGR. Outra possibilidade é levar o modelo de Grupos de Atuação Especial (Gaecos) a outros Estados.
A principal diferença entre os três modelos é a forma como os procuradores trabalham e sua relação com a PGR. Os integrantes das forças-tarefa são nomeados pelas Procuradorias regionais, e cabe à PGR apenas chancelar a exclusividade dos procuradores ou a continuidade do funcionamento de cada força tarefa. Os grupos podem ter apoio de técnicos de outros órgãos do Estado e as provas ficam no MPF local.
Se for aprovada a criação da Unac, em discussão no Conselho Superior do MPF, a figura do procurador-geral da República passaria a ter mais influência nas grandes investigações: ele indicaria o coordenador da unidade e o responsável por cuidar do arquivo de provas de todas as investigações de que o órgão participar no País. Os procuradores dessa unidade central atuariam apenas quando seu apoio fosse solicitado.
Em seu formato atual, a proposta tem sido criticada por procuradores que veem riscos à independência do cargo. Eles também veem uma tentativa de apagar a marca “Lava Jato”, que, depois de Curitiba, foi usada no Rio e em São Paulo, com a possível extinção do termo “força-tarefa”.
Além do plano de criar a Unac, desde janeiro deste ano o MPF também tem os Gaecos, que copiam o modelo implementado nos MPs estaduais desde a década de 1990 – como é o caso do grupo que investiga o caso da rachadinha (apropriação de salário de servidores) no gabinete de Flávio Bolsonaro, o Gaecc do Rio. Até agora, apenas Minas Gerais, Paraná e Paraíba têm Gaecos federais e, segundo procuradores, ainda é cedo para avaliar resultados.
A coordenadora da Lava Jato em São Paulo, procuradora Janice Ascari – que pediu demissão da equipe no último dia 2 e ficará no cargo até o fim do mês – é favorável à regulamentação da Unac, mas diz que a proposta precisa de ajustes. “A ideia é muito boa, mas a redação é muito ruim”, disse. “A gestão do coordenador não estava delineada.”
O relator da proposta no conselho superior do MPF, subprocurador da República Mario Bonsaglia, diz que detalhes como a hierarquia entre a unidade e procuradores nos Estados ainda podem ser revistos. Ele lidera um grupo de trabalho que está revisando o projeto. Além disso, uma regulamentação para as próprias forças-tarefa também está em análise no conselho.
“A grande questão é a relação da Unac com as forças-tarefa, e isso ainda está para ser melhor equacionado: se a unidade nacional superaria as forças-tarefa ou se elas ficariam existindo, recebendo apoio dessa Unac”, disse Bonsaglia. “Há uma ideia dessa unidade agir de maneira autônoma. Não seria meramente um órgão de apoio mas um órgão de execução, e isso é muito diferente do que hoje se observou no MPF.”
Essa preocupação tem sido debatida pela entidade que representa os procuradores, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que defende alterações no texto original. “Nossa grande preocupação é não descartar o modelo de sucesso das forças-tarefa e já partir com urgência para o novo modelo, correndo o risco de haver retrocesso”, disse o presidente da ANPR, o procurador Fábio George Cruz da Nóbrega. Ele também pondera que a experiência dos Gaecos federais é recente e poderia ser consolidada antes que o MPF criasse um órgão central de combate ao crime.
Já o promotor Fábio Bechara, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), considera que o combate ao crime organizado deveria melhorar a integração com outros órgãos, como Polícia Federal e Receita. “O ‘task-force’ sugere sempre, dentro da mesma equipe, procurador, policiais federais, agentes da receita, auditores, e assim vai. A lógica é multi-agência, de envolvimento de mais de um órgão”, diz Bechara, que é professor de Direito e estudou a cooperação jurídica internacional em sua tese de Doutorado na Universidade de São Paulo (USP), em 2010. “Existe hoje, acho eu, muita maturidade nas instituições para que isso aconteça.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.