18/10/2020 - 16:00
No fim de setembro, o leilão de um lote de obras do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, do falido Banco Santos, chamou a atenção: televisionado, o evento mostrava o leiloeiro James Lisboa tendo dificuldade em bater o martelo. Obras de grandes nomes da arte brasileira e internacional recebiam lances cada vez mais altos: o certame, que projetava arrecadar R$ 7 milhões, atingiu R$ 25 milhões. E levantou uma lebre para quem, em tempos de juros baixíssimos na renda fixa, está em busca de uma melhor aplicação. Segundo o Estadão apurou, porém, pensar em arte apenas como forma de multiplicar patrimônio pode ser bastante arriscado.
Um dos maiores especialistas no assunto, Heitor Reis ajudou o banco Brasil Plural a montar o primeiro fundo de investimento em arte, que chegou a reunir 700 obras de 200 artistas brasileiros. Embora considere quadros, esculturas e fotografias um potencial bom investimento, Reis alerta: “Arte não deve ser o principal investimento de ninguém. Primeiro você compra sua casinha, faz sua poupança e depois pensa nisso.”
Embora seja recomendável fazer uma boa pesquisa sobre o artista em que se pretende investir, colecionadores consultados pelo Estadão alertam que não há garantias. O executivo José Olympio Pereira, presidente do banco Credit Suisse, que coleciona arte há 30 anos e preside a Bienal de São Paulo, diz que nada garante a valorização de um artista. “Se você fizer um estudo econômico, não acho que se possa relacionar, por exemplo, a compra de uma obra por um museu à valorização daquele artista no mercado.”
Como o retorno é incerto, vale uma máxima que também se aplica a outros investimentos: a diversificação. Como é muito difícil prever se um artista vai “explodir” no mercado, Pereira conta ter construído uma coleção ampla e eclética. Ou seja: nada de comprar toda a obra de um artista. “Sempre comprei arte por paixão. E, ao longo desses 30 anos que eu compro arte, teve coisas que se valorizaram e outras que não, que eu dou de presente.”
Quem não gosta de arte e investe na área pode acabar tendo de lidar com o gosto amargo do fracasso, todos os dias, bem no meio da sala de estar. “Se você comprar arte só por investimento, ela pode deixar de ser uma fonte de prazer e passar a ser um aborrecimento à medida que não performar”, diz o presidente da Bienal. Na visão de Reis, o melhor caminho é adquirir as obras por gosto estético e deixar que a vantagem econômica venha eventualmente – mas sem contar com ela. “Quem compra por prazer tem bem menos chance de errar.”
Cuidados
Mas é evidente que, como em outros segmentos, como ações ou imóveis, há opções mais seguras e apostas mais arrojadas. E, a exemplo do que ocorre com esses outros investimentos, tudo depende do capital que se tem a investir e do risco que se está disposto a correr. Quanto o assunto é arte, a clara vantagem está de quem tem patrimônio para assinar cheques mais altos.
Isso porque o investimento em autores consagrados – que exigem desembolsos de centenas de milhões ou de milhões de reais – são apostas mais seguras. Ter um Di Cavalcanti, uma Tarsila do Amaral ou um Portinari na parede é uma garantia de que o investimento (quase) certamente não vai desvalorizar. O mesmo raciocínio vale para artistas contemporâneos que já tiveram uma explosão de preço, como Adriana Varejão ou Vik Muniz.
Responsável pelo leilão milionário das obras de Edemar Cid Ferreira – que arrecadou recursos para pagar os credores do Banco Santos -, o leiloeiro James Lisboa ressalva que, mesmo quando se fala de nomes consagrados, também é necessário algum conhecimento técnico sobre o tema. “Nem toda a obra de um artista vai ter a mesma valorização. O artista é um operário, precisa criar para sobreviver. Então é preciso ter em mente que a qualidade da obra varia de peça para peça.”
Para quem não é grande colecionador e não tem milhões para montar uma coleção extensa, o jeito é apostar em artistas que ainda não tiveram saltos de preço. “A maior parte do mercado de arte não está nos leilões conhecidos, mas em artistas cujo preço das obras hoje varia de R$ 10 mil a R$ 25 mil”, explica Lisboa. A resposta sobre a valorização da obra pode vir só em uma, duas ou até três décadas. Por isso, Lisboa reforça o conselho: “Compre o que te dá prazer.”
Três perguntas para:
José Olympio Pereira, presidente da Bienal de SP
Qual é a recomendação para se investir em arte?
Sempre comprei arte por paixão, faço isso há cerca de 30 anos. Ao longo do tempo, ela se tornou um investimento. Mas eu recomendo que as pessoas estudem e usufruam do processo de pesquisar uma obra de arte, que é quase tão prazeroso quanto a compra em si. Não precisa ir com sede ao pote, sair comprando. É algo bom de se estudar, ver, conhecer.
Há alguma vantagem em se comprar arte, em relação a outros bens?
Sim. Diferentemente de se comprar um carro bacana, um barco ou um avião – essas coisas e que as pessoas investem por prazer, mas que sempre vão valer menos -, a arte é algo de que você desfruta e que corre o risco de se valorizar. Se alguém vai comprar uma peça de grife, não vai pensar se vai valorizar ou não. É mais ou menos assim que encaro a compra de arte.
Então, pensar a arte como investimento puro não é a melhor ideia?
Dou palestras sobre o tema e digo que, se você comprar arte só por investimento, ela pode deixar de ser uma fonte de prazer e passar a ser um aborrecimento à medida que não performar. É como ter pendurada na parede uma ação que se desvalorizou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.