02/11/2020 - 12:05
Na periferia de Manaus, os corredores da Escola Estadual Antogildo Pascoal Viana voltaram a ser povoados pelos estudantes há dois meses. Mas nada é como antes. Abafadas pelas máscaras, as conversas entre professores e alunos revelam vazios – emocionais e de aprendizagem. Em todo o País, a volta à escola será árdua, não só pelas exigências sanitárias, mas principalmente por causa das necessidades educacionais.
Currículos mais compactos, programas de apoio entre estudantes e até a contratação de professores extras fazem parte das estratégias para contornar abismos de aprendizagem em sala de aula e os traumas decorrentes da pandemia. Redes de ensino no Brasil que já reabriram suas escolas revelam possíveis lições, mas também desafios de planejar e dar aulas.
+ De 40 escolas privadas de SP, 1/4 não retoma ensino médio presencial dia 3
+ Rematrícula escolar: contrato deve contar com cenário de pandemia
No Amazonas, o primeiro Estado a autorizar a abertura de escolas públicas, em agosto, a volta foi com medo. “O Amazonas esteve no olho do furacão, foi parar no The New York Times com notícias de covas coletivas”, diz a secretária de Gestão da Secretaria de Educação, Rosalina Lobo. Quando as escolas estaduais reabriram para os alunos do ensino médio, precisaram conquistar a confiança dos pais e montar programa de acolhimento emocional.
O governo identificou que 13% dos estudantes da rede estadual do Amazonas perderam pelo menos um parente para a covid-19. É como se, em uma classe com dez alunos, pelo menos um estivesse de luto – estatística que o diretor Charles Pereira, da escola Antogildo Pascoal Viana, comprovou na prática.
“Na sala, perguntei se alguém tinha contraído a covid. Uma aluna disse que tinha perdido a mãe e o avô”, lembra o diretor. “Ela falou de uma forma tão triste, me comoveu.” Outros estudantes buscaram apoio psicológico no colégio, que fez um trabalho de escuta de alunos, professores e funcionários. O Estado ainda estruturou um programa de monitoria, em que os próprios estudantes ajudam a identificar dificuldades e solucionar problemas. “A escola é como refúgio para tentar esquecer um pouco da tragédia”, diz Pereira.
Em cada Estado, diferentes planos de retomada das aulas presenciais estão sendo desenhados. Em comum, a ideia de que deve haver um trabalho de apoio emocional, diz Cecília Motta, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e secretária do Mato Grosso do Sul.
Avaliações. Os planos também são unânimes em identificar a necessidade de uma avaliação para saber o que os alunos aprenderam em casa. No Estado de São Paulo, onde a decisão sobre a volta às aulas ficou na mão dos prefeitos, testes de Português e Matemática devem ser aplicados assim que mais estudantes estiverem nas escolas.
O governo paulista quer medir “o tamanho do prejuízo”, nas palavras de Caetano Siqueira, da Coordenadoria Pedagógica da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Especialistas calculam que a recuperação pode levar anos, demandará avaliações sucessivas e há etapas mais sensíveis, como a alfabetização e a transição entre ciclos (5.º ano e 9.º ano). “É irreal imaginar que os alunos do 1.º ano do fundamental vão ter progredido muito na sua alfabetização”, reconhece Siqueira. No Estado, a volta está prevista para amanhã no ensino médio de colégios públicos e privados.
No Amazonas, uma prova de múltipla escolha com todas as disciplinas foi aplicada após o retorno presencial, em agosto. Segundo Rosalina, os resultados no ensino médio indicaram que colégios com boa gestão se adaptaram mais rapidamente ao ensino remoto, com impacto no resultado dos alunos.
Na escola de Pereira, o desempenho foi pior em Português, Matemática e Física. Agora, a escola organiza a recuperação, mas os professores têm de lidar com turmas ainda mais heterogêneas. As aulas remotas devem continuar em 2021, como reforço – mesma estratégia planejada por outros Estados.
Caso do Espírito Santo, que até pretende distribuir equipamentos a alunos e professores. “Queremos oferecer condições de acesso mais adequadas para um ano em que sabemos que o programa (online) vai permanecer”, diz o secretário de Educação capixaba Vitor de Angelo.
Atividades em grupo e formação de classes alunos de diferentes séries também podem ser estratégias. “A escola vai precisar reorganizar tempos e espaços”, diz Anna Helena Altenfelder, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
Essencial. Apesar dos esforços, os gestores consideram que é preciso calibrar as expectativas. Redes estaduais e municipais vêm “compactando” seus currículos para dar foco ao que é considerado essencial. “A priorização é necessária porque há diferentes níveis de acesso e ritmos de aprendizagem”, diz Katia Smole, diretora do Instituto Reúna, que tem um método de priorização curricular.
Em Geografia, por exemplo, os currículos incluem tanto aprender a ler mapas quando conhecer organizações mundiais. “A alfabetização cartográfica é essencial. Já o conhecimento de organizações pode ser feito até pela mídia”, diz Katia. Essa priorização vem sendo usada em Pernambuco e no Amapá, além de redes municipais.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.