11/11/2020 - 8:42
Os telefones das organizações que ajudam as mulheres que desejam interromper a gravidez tocam mais do que nunca desde que uma sentença do Tribunal Constitucional da Polônia endureceu a legislação sobre o aborto no país.
De acordo com a Ciocia Basia (Tia Basia), uma ONG com sede em Berlim que apoia as polonesas que decidem abortar na Alemanha, a decisão judicial piora uma situação que já era complicada pela pandemia.
“Recebemos três vezes mais ligações que antes”, declarou à AFP Ula Bertin, voluntária da Ciocia Basia.
Seguindo os desejos do partido conservador que governa o país, o tribunal polonês revogou um dispositivo legal que autorizava os abortos em caso de malformação grave do feto.
O veredicto ainda não entrou em vigor, mas os médicos estão ainda mais relutantes a praticar abortos legais, para evitar possíveis sanções.
Depois da sentença, a ONG recebeu vários pedido de ajuda de mulheres que “já estavam organizando um aborto na Polônia e que agora ninguém quer praticar”, explica Ula Bertin. “Estas mulheres estão esgotadas mentalmente, traumatizadas”, acrescentou.
“É uma punição dupla, porque a criança que esperam está doente e talvez não sobreviva, e elas são obrigadas a dar à luz. É uma tortura emocional”, insiste.
Outras organizações também relataram um aumento nos pedidos de ajuda, apesar das dificuldades de deslocamentos entre fronteiras devido à pandemia.
A Aborto Sem Fronteiras (AWB), uma coalizão multinacional de ONGs, afirma que, desde o veredicto, ajudou 40 polonesas a viajarem ao exterior para abortar, ou a preparar as viagens. O número representa o dobro da média mensal.
Criada em dezembro, a rede forneceu informações sobre como ter acesso a pílulas abortivas a centenas de polonesas, o que permitiu o aborto com medicamentos em casa. A legislação polonesa não permite, nem proíbe, a medida, porque é muito antiga para se levar em consideração.
Para as mulheres que precisam de intervenção cirúrgica, a coalizão oferece apoio logístico e financeiro para abortos na Áustria, Reino Unido, Alemanha, ou Holanda.
Kasia Roszak, do grupo holandês Abortion Network Amsterdam, disse que recebeu ligações de mulheres que estavam à espera de abortos legais em hospitais poloneses e que foram “de algum modo abandonadas”.
“Foram obrigadas a buscar outra solução”, disse à AFP.
País de 38 milhões de habitantes e com forte tradição católica, a Polônia tem uma das legislações antiaborto mais restritivas da Europa.
O país registra oficialmente menos de 2.000 abortos legais por ano. As organizações feministas calculam que quase 200.000 acontecem de forma ilegal, ou no exterior, a cada 12 meses.
– “Universo paralelo” –
Quando Hanna, moradora de Varsóvia, tinha 21 anos e não estava preparada para ter um filho ela optou por um aborto na Holanda, com a ajuda de parentes que moram no país.
“Realmente apreciei o profissionalismo. Ouvi amigas falando sobre abortos clandestinos na Polônia e não é agradável”, contou à AFP Hanna, atualmente com 38 anos e mãe de dois filhos.
“Existe esta sensação de se fazer algo ilegal. Temos que ir ao ginecologista escondidas, à noite, com medo de que se algo der errado não poderemos fazer uma denúncia nem receber ajuda”, desabafou.
Ula Bertin relata que as polonesas “começam a chorar” quando passam pelo primeiro exame em uma clínica estrangeira. Sentem que estão em um “universo paralelo, onde coisas que para elas são um tabu (…) aqui são normais, simplesmente normais”, relata.