13/11/2020 - 6:33
31 de agosto de 1946: última audiência no tribunal de Nuremberg. Os líderes nazistas acusados neste julgamento histórico tentam minimizar seu envolvimento durante as últimas alegações. A seguir, trechos da crônica da época feita por um jornalista da AFP:
NUREMBERG, 31 de agosto de 1946 (AFP) – (…) Parece, ao ouvi-los, que cada um dos 21 acusados tinha como missão esboçar, cada um a seu nível, o fragmento de um quadro que, uma vez reconstituído, permitiria à nação alemã se acreditar inocente de tantos crimes contra a humanidade, já que aqueles que orquestraram tampouco se consideram culpados.
Era possível sentir que o acúmulo esmagador de provas contra eles derrubou sua atitude impassível. Todo este sangue, literalmente, os asfixia.
Nesta jornada se destaca, e isto é algo fundamental, que estes réus que a história aponta como culpados não negam mais as instruções, as atrocidades e os crimes do Terceiro Reich. Todos os seus esforços se dedicam a tentar evitar a responsabilidade nos atos.
“Não ordenei exterminar os judeus; nunca ordenei o fuzilamento dos aviadores aliados; não sabia; desaprovo isto…”. Mas, se a segunda figura do Reich (Hermann Goering) não era responsável pela gestão, você se pergunta como o Estado hitleriano conseguiu funcionar. Goering, depois deste ato de humildade inesperado, fala da “minha Luftwaffe”, do “meu povo alemão”, da maneira como faria um soberano. Inclusive menciona textualmente a frase célebre de Wilhelm II: “Eu não queria a guerra”.
– Hess não renega nada –
Mais sincera parece a atitude de Rudolf Hess (subalterno de Hitler) que, depois de múltiplas incoerências, termina com uma proclamação de fé nazista! É o único que não renega seu passado. É o único que se mantém fiel a Hitler. Ele é o único que jura que começaria de novo, mesmo que terminasse na fogueira.
Ribbentrop (Joachim von, ministro das Relações Exteriores), que lhe sucede, inaugura a série dos diplomatas. Não é o belo Joachim que seduzia a “gentry” (a burguesia britânica), e sim um personagem envelhecido e brando que recita sua lição com voz monótona e que sabe, com um resquício de sutileza diplomática, semeá-la com armadilhas. (…)
Keitel (Wilhelm, chefe do alto comando da Wehrmacht, as Forças Armadas nazistas) é o primeiro do grupo de militares (…). Eles se esforçarão para deixar claro que seguiram a tradição de sua casta como soldados leais e disciplinados. (…)
Os que esperavam com curiosidade a declaração de (Ernst) Kaltenbrunner ficaram decepcionados. Ele, alma da polícia nazista, general das SS e adjunto de Himmler, seria o primeiro a aceitar uma responsabilidade que a priori parecia esmagá-lo? Pois não. Ao escutá-lo, até Kaltenbrunner parecia ser inocente do sangue derramado e dos horrores acumulados. (…)
– Tantas lágrimas e tanto sangue –
A partir de agora, nada surpreenderá os auditores deste processo.
(O ideólogo Alfred) Rosenberg, autor do mito racista, poderia perfeitamente, com sua voz rouca, proclamar-se sionista, e Streicher (Julius, diretor do jornal antissemita Der Stürmer) considerar-se amigo de Israel; Frick (Wilhelm, principal autor das leis antissemitas) poderia se vangloriar de sua boa consciência; Funk (Walther, ex-ministro da Economia) pode chorar de maneira inconsolável pelas vítimas do nazismo; o bom De Schirach (Baldur von, comandante das juventudes hitleristas) seria capaz de comparar as juventudes hitleristas com patronatos inofensivos, e Sauckel (Fritz, responsável pelos trabalhos forçados), que distribuía os escravos, será capaz de se transformar em um bom pai de família. Tudo isto seria cômico se não fosse pela recordação de tantas lágrimas e de tanto sangue.
Schacht (Hjalmar, ex-ministro da Economia), sem dúvida salvou sua pele. Desde o início do julgamento, ele se separou dos demais acusados e do regime de Hitler. Hoje, mais do que nunca, era possível perceber seu desejo de não ser confundido com eles, pois soube o que é um campo de concentração em Flossenburg. Será o suficiente para apagar suas responsabilidades bem reais?