25/11/2020 - 2:10
Em casos famosos de violência contra negros em supermercados, a maioria dos agressores segue sem punição e as empresas não foram responsabilizadas na Justiça. É o que mostra levantamento em outros processos em que as vítimas foram torturadas, agredidas ou mortas por funcionários das lojas.
Na véspera do Dia da Consciência Negra, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado até a morte por seguranças do Carrefour em Porto Alegre. O caso deu início a protestos no País e reacendeu a mobilização do “Vidas Negras Importam”.
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No Rio, outro assassinato de um cliente por seguranças segue sem julgamento mais de um ano e meio depois. Em fevereiro de 2019, o jovem negro Pedro Henrique Gonzaga, de 19 anos, foi asfixiado na frente da mãe por um segurança de uma unidade do Extra da Barra da Tijuca, zona oeste da cidade. O vigilante imobilizou Gonzaga e permaneceu quatro minutos sobre o jovem mesmo sendo alertado por vários clientes de que o jovem estava sendo sufocado.
Outro vigilante do estabelecimento observou a cena e nada fez para impedir a agressão. Ambos foram denunciados pelo Ministério Público do Rio por homicídio doloso qualificado, denúncia aceita pela Justiça em setembro deste ano.
O julgamento, no entanto, não tem data para ocorrer e os dois réus aguardam em liberdade. Está marcada para junho do ano que vem a próxima audiência do processo, de instrução para o julgamento, onde serão colhidos depoimentos das partes.
Outro caso ainda sem punição é do então desempregado Fábio Rodrigo Hermenegildo, de 38 anos. Em março de 2018, ele foi vítima de choques elétricos e golpes de cabo de vassoura no Extra Morumbi, na zona sul de São Paulo, após ser flagrado tentando furtar carne. Levado a um aposento, ele teria sido amordaçado, amarrado e obrigado a sentar, sem calça, em uma poça d’água. A sessão de espancamento foi filmada pelos próprios agressores.
O Ministério Público (MPE-SP) ofereceu denúncia por tortura contra seis pessoas. Mais de dois anos depois, porém, um dos réus morreu. Os outros cinco já deixaram a cadeia e respondem em liberdade. A próxima audiência na Justiça só deve ocorrer em junho de 2021.
O advogado Claudiney da Silva Leopoldino diz que não houve reparação financeira por parte do mercado. Para ele, casos como o do seu cliente também enfrentam resistência para que a Justiça aceite a tese de tortura cometida por seguranças privados. “A lei foi pensada como se só o Estado praticasse esse tipo de crime, e não o particular.”
Considerada crime hediondo, a tortura tem pena máxima de 8 anos de prisão. Nos tribunais, as acusações acabam virando “lesão corporal”, delito mais brando e com previsão de até 5 anos de cadeia em casos graves.
Foi o que ocorreu no processo do jovem negro de 17 anos, agredido no Supermercado Ricoy, zona sul paulistana, em 2019. Após tentar furtar chocolate, ele foi despido, amarrado e açoitado por dois seguranças. A Justiça inocentou os agressores por tortura e condenou por lesão corporal, cárcere privado e divulgação de cena de nudez. Os crimes somaram, no máximo, 3 anos e 10 meses de prisão.
A pena mais branda facilitou a progressão de regime – um deles já deve ser posto em liberdade em 15 dias. “Infelizmente, há esse tipo de interpretação equivocada de setores do Judiciário, que só consideram que um agente do Estado exerce poder e autoridade”, diz o advogado Ariel de Castro. “Também há uma pressão muito grande do poder econômico para esse sistema de impunidade.”
Indenização
Em 2019, Luís Carlos Gomes, negro e deficiente físico, foi vítima de agressões e recebeu um mata-leão no Carrefour em São Bernardo (SP). O motivo teria sido porque abriu uma cerveja antes de passar pelo caixa. O caso nem chegou a virar denúncia criminal e só a ação cível prosperou.
Em junho, TJ-SP mandou o supermercado pagar R$ 23 mil por danos morais. Para comparar, o valor representa menos de 2,5% do R$ 1 milhão de multa que a rede recebeu pela cadela Manchinha, morta em uma loja de Osasco em 2018. A vítima aceitou o valor, mas a indenização ainda não foi executada. “Sem desmerecer a vida de um ser vivo, mas a Justiça atribui valor de R$ 1 milhão para um animal e de R$ 20 mil para um ser humano?”, diz a advogada Adriana Crystina Soares Jarenco, que representa Gomes.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.