Depois de experimentar neste ano a maior retração econômica que se tem notícia, com queda de 11,9% do PIB no primeiro semestre, prever como será o futuro do Brasil virou o hobby de economistas de todas as linhas de pensamento. Para tentar dar algum sentido nas previsões, eles resolveram elucidar os possíveis tipos de crescimento com letras – em U (retomada lenta), em V (recuperação forte) ou em W (aceleração intensa, mas com ciclos de recaída). Apesar das muitas teorias, o fato é que a ampla discussão filosófica de pensadores contemporâneos não resultará na síntese de um problema ainda em curso. Com a economia global enfrentando uma crise sem precedente, seria necessário praticar futurologia para entender o comportamento da economia brasileira nos próximos meses. No entanto, como “expectativa”, “previsão” e “risco” fazem parte do economês oficial, no caminho da retomada, estamos mais perto de desenhar um W.

Um dos sintomas deste desenho pôde ser verificado no indicador do Produto Interno Bruto (PIB) divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com uma alta de 7,7% no terceiro trimestre, o consenso é que após o incremento, fatores como o fim do pagamento do auxílio-emergencial em 2021 represente uma desaceleração do consumo e, por consequência, da atividade econômica do País. E se o futuro é incerto, ao menos o comportamento do PIB entre julho e setembro acompanhou as projeções do mercado e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Na última revisão, realizada no fim da primeira quinzena de novembro, o Monitor do PIB-FGV já apontava crescimento de 7,5% na atividade econômica entre julho a setembro deste ano na comparação ao trimestre anterior, e alta de 1,1% em setembro, ante a agosto.

Pablo Jacob

“O crescimento não é suficiente para recuperar o nível de atividade econômica que está 5% abaixo do ano passado” Claudio considera, Coord. do monitor do PIB da FGV.

Quando avaliado o resultado na comparação anual fica evidente que o crescimento só se sustenta em cima de uma base fragilidade pela abrupta paralisação da atividade econômica entre abril e junho. “O forte crescimento da economia brasileira no terceiro trimestre, reverte, em parte, a retração de 9,7% registrada no 2º trimestre deste ano, em função da chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, a partir de março”, afirmou Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB-FGV. “Mas este crescimento não é suficiente para recuperar o nível de atividade econômica que ainda se encontra 5% abaixo do observado no quarto trimestre de 2019.”

TUDO QUE SOBE… Parte da explicação para o crescimento do PIB no terceiro trimestre é exatamente o que preocupa no campo das contas públicas: a forte expansão fiscal realizada pelo governo. Aumento de crédito e a transferência de bilhões de reais às famílias anabolizaram artificialmente as vendas do varejo, a retomada da produção industrial e o consumo dos mais pobres. De acordo com a Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, os gastos do governo no combate aos efeitos da pandemia devem chegar a R$ 496,8 bilhões neste ano, o equivalente a 7% do PIB. “Trata-se de uma expansão fiscal muito significativa e nem o governo esperava uma demanda de 65 milhões de pessoas pelo auxílio emergencial”, afirmou Rodrigo Nishida, economista da LCA Consultoria. “O aumento da massa de renda impulsionou a economia, mesmo com a queda forte do emprego.”

14% Foi a alta do setor indústrial no período, o melhor entre todos os resultados.

Em um cenário de fim do auxílio emergencial, sem reativação consistente da atividade produtiva, o que hoje parecer um V pode começar a se desenhar um W. “Países que enfrentarem a segunda onda da pandemia, como a Europa, deverão ter recuperação em W, cenário que o Brasil deve enfrentar também”, afirmou o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, em encontro com especialistas na Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). “Mesmo com uma expansão na casa de 8%, o PIB vai encolher entre 4,5% e 5% neste ano, com uma situação fiscal fragilizada.” Para 2021, ele projeta alta de 3,5%.

SITUAÇÕES DISTINTAS Quando avaliado os setores produtivos, os que mais encolheram durante o início da pandemia foram os que conseguiram uma reação mais forte em um primeiro momento. Exemplo disso foi a indústria e o comércio, que após um período de lockdown conseguiram reativar contratos e promoveram a primeira onda de reabertura da atividade econômica. A indústria de transformação e o comércio foram os segmentos que mais se beneficiaram do ciclo de pandemia, impulsionados por auxílio- emergencial, crédito e fechamento do comércio tradicional, segundo o economista da XP, Vitor Vidal.

5% É quanto a atividade econômica está hoje em relação ao último trimestre de 2019.

Quando olhado o setor de serviços, é de praxe dizer que eles são os últimos a entrar na crise – como ocorreu em 2016 – e o último a sair dela. Com mais da metade da receita do setor atrelado aos serviços prestados às famílias, a pandemia inviabilizou parte dos negócios, seja no setor público (como acesso à educação e saúde) quanto no privado (como cabeleireiros e serviços domésticos). Com a retomada gradual sentida no terceiro trimestre, parte das atividades foram adaptadas e reabertas, com serviços a domicílio e consultas virtuais, mas nada que fosse forte o bastante para levar o setor aos patamares registrados antes da pandemia. Com uma atividade complexa e ramificada como a brasileira, certo mesmo é que, independente da letra, a retomada não será fácil.