09/12/2020 - 7:13
A alta da inflação nos últimos meses “é preocupante e não é”, disse o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. Por um lado, a pressão inflacionária não vem do excesso de demanda numa economia superaquecida. Está mais relacionada a um aumento de custos, por causa da alta do dólar e da desorganização das cadeias produtivas pela pandemia. E a demanda ainda fraca por conta da crise, reforçada pela retirada do auxílio emergencial a partir de janeiro, deverá manter a inflação em torno das metas tanto de 2020 quanto de 2021. Por outro lado, uma falha do governo em encaminhar minimamente a agenda de reformas necessárias para dar um equilíbrio de longo prazo nas contas públicas poderá levar a novas rodadas de alta no dólar e, em meados de 2021, alimentar uma inflação já mais elevada. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
A alta da inflação nos últimos meses é preocupante?
É preocupante e não é. Na metade do ano, muita gente (analistas de mercado) estava esperando inflação de 1% a 2% (em 2020, pelo IPCA). A MB Associados estava com 2,2% (de projeção). A expectativa era de inflação bastante sob controle, pois a demanda tinha despencado muito. Não tínhamos a percepção sobre como seria a recuperação da economia (após a pandemia jogar o País na recessão) nem o comportamento das cotações do dólar. Agora, chegamos ao fim do ano com 4,5% (de projeção para 2020) ou bem próximo disso. Essa aceleração em poucos meses preocupa e assusta um pouco. E ainda continua no ano que vem, no acumulado em 12 meses. Podemos chegar a maio com 6,5% (no IPCA acumulado em 12 meses). No acumulado em 12 meses, o pico vai ser maio e junho (porque o IPCA entre abril e junho de 2020 foi muito baixo e chegou a ter variação negativa). Ao mesmo tempo, precisamos acompanhar os dados porque, nos últimos meses, a inflação tem subido. Não dá para descartar um primeiro semestre (de 2021) pressionado.
Por outro lado, por que não é preocupante?
O câmbio está caindo, o que pode levar a uma descompressão do preço dos importados. O auxílio emergencial deverá ser retirado a partir de janeiro, o que leva a uma pressão negativa de demanda em diversos segmentos. Temos uma inflação que acelerou agora, mas por conta desses elementos pontuais. Como a demanda segue fraca, não vejo a inflação subindo. Projetamos 3,8% em 2021, próximo da meta (de 3,75% em 2021). Isso demandaria só um pequeno ajuste de juros (por parte do Banco Central), marginal, para a inflação ficar próxima da meta. Projetamos que a Selic (a taxa básica de juros, hoje em 2% ao ano) chegará a 3,5% no ano que vem. Ainda assim, é bastante baixa para os padrões brasileiros. Não vejo isso atrapalhando tanto o mercado.
Então os efeitos dessa inflação pressionada e do combate a ela sobre a economia são pequenos?
No primeiro semestre, mas especialmente nos três primeiros meses, vamos ter o efeito do auxílio emergencial zerado. Pelo menos em dezembro e janeiro, o câmbio parece que vai ficar sob controle. A sucessão no Congresso congela as reformas. Então, se a inflação se acomodar e encaminharmos bem as reformas no início do ano, conseguiremos diminuir o risco. Tudo está atrelado a um sinal fiscal concreto.
O que seria um sinal fiscal concreto?
Seria um sinal pelas reformas. Isso não acontecendo, o câmbio deprecia (o dólar sobe), volta para cima de R$ 5,50. Com a inflação a 6,5% (no acumulado em 12 meses, o que deve ocorrer até maio ou junho) e o câmbio voltando a acelerar, o Banco Central pode ter de subir os juros um pouco mais (do que a projeção de 3,5% ao ano, da MB Associados). Todo esse processo vai afetar muito 2022. Uma subida de juros afetaria 2022, que é um ano eleitoral, já complicado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.