25/01/2021 - 8:57
A extrema direita americana está indignada: indignada com Joe Biden, indignada com Donald Trump, com o enigmático “Q” e consigo mesma.
As publicações online e as salas de chat de extremistas mostram uma profunda decepção desde o frustrado ataque de 6 de janeiro ao Congresso e desde a cerimônia de posse de Biden como presidente.
Os seguidores do movimento conspiratório QAnon estão ainda mais preocupados: suas previsões milenares de caos e fatalidade que acompanhariam a chegada de Biden à presidência não se concretizaram (ou pelo menos ainda não).
Ultranacionalistas como os Proud Boys, milícias armadas como os Oath Keepers e perigosos supremacistas brancos e neonazistas foram levados à clandestinidade, e os ativistas que participaram no ataque ao Capitólio foram presos pela polícia.
Os especialistas em extremismo e terrorismo interno dizem que esses grupos foram abalados pela saída de Trump do poder. Mas também destacam que eles não desapareceram e que agora estão mais motivados a realizar ataques mais perigosos.
Os grupos mais extremos estão buscando recrutas.
“A retórica continua acalorada, as pessoas não estão esfriando. Não estão se adaptando bem a Biden”, disse Michael Edison Hayden, repórter do Southern Poverty Law Center, que investiga o extremismo.
Longe de se cansarem, disse Colin P. Clarke, diretor de Política e Investigação do The Soufan Group, “a energia e o ímpeto da extrema direita é mais forte do que em qualquer outro momento recente. A pergunta é: o que vai acontecer agora?”
– Unidos na fúria –
Muitos esperavam que a saída de Trump e a expulsão de extremistas do Facebook, Twitter, Parler e outras redes sociais acalmariam as coisas.
Mas isso não aconteceu.
Esses grupos de extrema direita “estão muito mais unidos no que rejeitam do que no que proclamam”, disse Clarke.
Hayden pensa que a eliminação dos usuários que ultrapassaram certos limites das redes sociais mais em voga se tornou “um fator unificador” desses indivíduos.
A maioria migrou para outras plataformas, principalmente o Telegram, onde as novas páginas do QAnon e Proud Boys têm centenas de milhares de seguidores.
“A infraestrutura de fato ainda existe” para que a extrema direita se reúna, disse Hayden.
– Q e Trump –
O QAnon surgiu no final de 2017 com declarações enigmáticas do misterioso Q no site 8kun.
Ninguém sabia quem era Q, mas suas declarações convenceram os seguidores de Trump da existência de um complô democrata contra o presidente.
E os tuítes, campanhas e comícios de Trump se transformaram em um ponto focal para os seguidores do Q.
Depois da derrota eleitoral do magnata republicano, eles impulsionaram a campanha “Stop the Steal” centrada na falsa afirmação de que a vitória de Biden foi fraudulenta.
Essa afirmação levou diretamente à rebelião de 6 de janeiro em Washington em nome de Trump, deixando cinco mortos.
Mas a posse de Biden na quarta-feira e a silenciosa partida de Trump para a Flórida fecharam essa porta.
Muitos inclusive estão indignados com Trump por não ter defendido claramente as mais de 120 pessoas que foram presas e as centenas que estão sendo investigadas pelo ataque ao Capitólio.
A extrema direita “está aceitando” a partida de Trump e se reagrupando sem ele, afirmou Hayden.
– Nova ferida –
No entanto, os seguidores do QAnon sofreram um segundo impacto.
Na quarta-feira, Ron Watkins, cujo pai controla o 8kun e que muitos acreditam que é ou que conhece o verdadeiro Q, anunciou que abandonava o movimento e apagou todos os arquivos do QAnon da 8kun.
“Demos tudo de nós. Agora temos que manter a cabeça erguida e voltar às nossas vidas o melhor que pudermos”, publicou ele no Telegram.
Entretanto, para Kirim Zidan, pesquisador da Right Wing Watch, o movimento demonstrou que pode viver sem Q.