A Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de capitais, destacou na versão 2021 de seu ofício circular de orientação de melhores práticas às companhias divulgado nesta sexta-feira, 26, o dever do acionista controlador de usar seu poder para atender aos interesses da empresa e da responsabilidade de sigilo e de manter a companhia informada sobre fatos relevantes de seu conhecimento.

O papel do acionista controlador entrou nos holofotes nas últimas semanas diante das declarações do presidente da República Jair Bolsonaro em relação à Petrobras e à Eletrobras, estatais em que a União é a acionista majoritária. A autarquia já abriu ao menos dois processos para analisar os fatos que culminaram com a destituição do atual presidente da estatal, Roberto Castello Branco.

O parágrafo único do artigo 116 da Lei das S.A. prevê que o poder de controle seja direcionado a fazer com que a companhia realize seu objeto e cumpra sua função social. Diz ainda que o controlador tem deveres e responsabilidades em relação aos demais stakeholders da empresa. Já a Instrução 358 determina a divulgação de qualquer fato relevante que possa mexer com os papéis de uma companhia.

Os pontos foram reforçados em um comunicado feito pela CVM em 2016.

“Ele chama atenção para a necessidade de qualquer pessoa que, por seu cargo ou função, tenha acesso a informações relevantes, interagir com a administração da companhia antes de falar algo que possa afetar o humor de quem negocia os papéis. Achamos que é uma boa hora para ter esse comunicado à mão”, disse o superintendente de Relações com Empresas da CVM, Fernando Vieira, sem mencionar casos específicos.

Conflito de interesse

O ofício da SEP também faz menção à decisão do colegiado da CVM sobre a incorporação de ações da Linx pela Stone. Em desfecho polêmico, a autarquia deu aval para os fundadores da Linx votarem na assembleia sobre a operação, por entender não se tratar de um caso concreto de benefício particular e conflito de interesse no voto dos fundadores, apesar de a operação prever uma indenização a eles por uma cláusula de não-competição.

O conceito de benefício particular não poderia abranger benefícios indiretos. A tese que prevaleceu no caso Linx foi que se o conflito não é flagrante pode-se permitir o voto com análise das consequências a posteriori. O caso é mencionado como um precedente, embora a CVM já tenha tomado decisões em outro sentido. A ideia do ofício é dar transparência aos precedentes do órgão regulador.

Registro de IPOs

Em ano de número recorde de IPOs (ofertas públicas iniciais), a CVM recebeu uma enxurrada de pedidos de registro em 2020 – foram 122 análises nos últimos 12 meses. Como as ofertas envolveram muitas companhias sequer registradas na autarquia, os pedidos de registro chegaram ao mesmo tempo: do emissor e da oferta. No ofício circular a SEP alerta para a necessidade de apresentação correta da documentação exigida. As demonstrações financeiras para fins de registro, por exemplo, devem se referir ao último exercício social imediatamente anterior à data do pedido.

Segundo Vinicius Janela, gerente da SEP, em muitos casos as Demonstrações Financeiras apresentadas em 2020 tinham falhas contábeis ou não refletiam a real situação patrimonial da companhia. Ao incluir o ponto no ofício, a CVM quer agilizar análises e reduzir custos para as companhias.

BDRs

O documento traz orientações para emissores de certificados de depósitos de valores mobiliários, os BDRs, com especial atenção aos de emissores estrangeiros. Em novembro, o colegiado indeferiu os pedidos da Navios South American Logistics, com sede na Ilhas Marshall, de registro como emissor estrangeiro e de registro de oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na B3.

A decisão acompanhou as áreas técnicas, que apontaram que os dispositivos societários da Navios traziam riscos excessivos à poupança popular que seria captada na operação. O precedente autoriza a SEP a examinar nesses casos se existem elementos mínimos que assegurem a proteção do investidor brasileiro, embora a Lei das S.A. não se aplique a companhias estrangeiras. “A preocupação é que não cheguem ao varejo BDRs de companhias que não dão direitos mínimos ao acionista”, diz Vieira. A CVM estuda alterar a norma de BDRs para ajustar a questão.

Assembleias digitais

Às vésperas da temporada de assembleias de acionistas, o ofício circular trata das assembleias digitais de acionistas e detentores de títulos de dívida privada, como debêntures, notas promissórias, recebíveis agrícolas e imobiliários. As reuniões à distância foram regulamentadas no ano passado, em meio à pandemia da covid-19. A SEP recomenda que as companhias façam manuais detalhados de participação para evitar limitações aos acionistas.

A SEP também inclui no documento o Ofício Circular CVM/SEP 07/2020, divulgado em agosto passado com orientações à participação de executivos em lives, após o aumento do uso desse canal na pandemia. A publicação gerou reação do mercado. A CVM teve que esclarecer que as recomendações não valem para reuniões fechadas realizadas virtualmente, nem para encontros particulares com investidores ou outros agentes de mercado.

Precedentes

Entre os novos precedentes destacados está o caso envolvendo a privatização da distribuidora de energia da Companhia Energética de Brasília (CEB Distribuição). A CVM decidiu, de forma inédita, que há conflito de interesse na participação de conselheiro de administração representante dos empregados em discussões relacionadas à venda do controle da empresa. A decisão pode orientar a atuação das estatais em processos de privatização.

Além disso, o colegiado também decidiu, em uma consulta envolvendo Petros e Petrobras, que acionistas minoritários vinculados ao controlador ou sob sua influência determinante, não podem solicitar a inclusão, nem contribuir com suas ações para, junto com outros acionistas, atingir o porcentual mínimo necessário para incluir no Boletim de Voto a Distância candidatos a vagas no Conselho de Administração e no Conselho Fiscal a serem preenchidas pela eleição em separado, reservada aos acionistas minoritários.