28/02/2021 - 16:00
Em 25 de fevereiro de 2020, o Brasil registrava seu primeiro caso de covid-19. O paciente, vindo da Itália, teve o diagnóstico confirmado no Hospital Israelita Albert Einstein.
Presidente do centro médico, o cirurgião Sidney Klajner conta ao Estadão que não esperava que o País perderia totalmente o controle da doença e se tornaria um dos campeões em casos e óbitos.
E diz, na semana em que o Brasil completou um ano de pandemia, que a falta de valorização da ciência e de atitudes pautadas em evidências foram os principais fatores que levaram a isso.
• Quando o Einstein diagnosticou o primeiro caso, qual era a expectativa para a pandemia?
Naquele momento era a de que a gente teria um controle das pessoas que viessem a adquirir o vírus, um controle do isolamento desses pacientes e, por conta disso, a gente atingiria só uma pequena parcela da população. E, tomando os devidos cuidados, como higienizar as mãos, não espirrando nas mãos, evitando locais fechados, teria um controle total.
• Quando desandou? Quanto disso pode ser atribuído à falta de conhecimento que tínhamos sobre o vírus e quanto é responsabilidade das autoridades políticas?
Primeiro, a gente está diante de uma infecção por um vírus que ainda carece de muita informação sobre seu comportamento, então a primeira coisa é que a gente aprendeu muito com a doença no ano passado. Toda essa falta de conhecimento no início contribuiu, de fato, para a gente ter opiniões divergentes e uma das grandes causas que levaram à falta de um comando pautado por ciência foi a presença de opiniões de pessoas que não detêm conhecimento e passaram a colocar posições muito focadas em ideologias. Isso, em um mundo que a gente vive de disseminação muito fácil por mídias sociais, acabou virando verdade e atraindo uma legião de seguidores. A gente via médicos falando que isso não ia passar de uma gripe e que o calor daqui não ia deixar que fosse igual à Europa. A gente viu governantes preocupados com aspectos econômicos, estimulando o não lockdown. Então não dá para atribuir a um só culpado, mas a falta do conhecimento, talvez a falta da valorização da ciência como o ponto norteador das atitudes e da adoção dessas medidas. E aí, obviamente, entram as nossas lideranças que preferiram acreditar neste ou naquele ponto, fizeram com que o comportamento da população brasileira em como enfrentar a pandemia e os investimentos e planejamentos fossem bastante prejudicados desde o início.
• Mas teve a postura do governo federal de ir contra a ciência…
Esse tipo de dúvida, de você atuar na economia independentemente do resultado da saúde, isso aconteceu no mundo inteiro. A Inglaterra é um país que, no começo, adotou a postura de imunidade de rebanho e, depois de milhares de pessoas indo para as UTIs, abandonou essa estratégia e voltou para o modelo de controle por quarentena e lockdown. Então, a gente teria de, primeiro, ter uma liderança. E não necessariamente ia ser o presidente, poderia ser o secretário, o ministro da Saúde. No momento que surgiram divergências, o ministro foi trocado. Tivemos duas trocas e sequer o plano do primeiro ministro foi adiante. Isso abriu espaço para governos assumirem a autonomia de organizarem o enfrentamento nos Estados. Vira colcha de retalhos.
• O Einstein foi um dos hospitais que lideraram estudos que mostraram que remédios como a hidroxicloroquina são ineficazes. Na sua opinião, por que, mesmo com todas as evidências, médicos continuam prescrevendo?
Na medida que esse mundo científico sofre intervenção de ideologias políticas, as mídias sociais se tornaram um palco onde as pessoas podem falar o que querem. Não existe ciência com ideologia. A ciência exige que você tenha evidências para dizer se um medicamento funciona ou não. Ciência e crença não combinam. Quando você usa um medicamento que não vai trazer bem ao paciente, pelo contrário, pode causar evento adverso, a responsabilidade é de ambos (médico e paciente), mas o médico influencia muito. Aqueles colegas
“Nada numa questão de saúde pode ser dirigida, liderada ou idealizada sem conhecimento científico. Imagino que a gestão da saúde obriga que a gente tenha lideranças com conhecimento científico suficiente que vão dirigir o enfrentamento de qualquer situação de saúde.”
que insistiram no uso de tratamentos que não são pautados por uma boa evidência científica talvez tenham sido influenciados por outros fatores que não o seu paciente como o centro do cuidado, não sendo pautados pela evidência científica.
• Vocês esperavam que viveriam um pico pior do que o primeiro com um ano de pandemia?
Esperar eu não esperava. Na verdade, eu tinha medo por causa do que vimos na Europa. O verão levou todo mundo para as ruas, para a praia, para as festas e eles passaram a experimentar uma segunda onda. Na verdade, eu esperava que não acontecesse, mas existia uma chance considerando o comportamento das pessoas aqui no Brasil como se a gente já tivesse vencido a pandemia.
• Você acha possível que redes de saúde mais estruturadas colapsem diante da ameaça das novas variantes? O quanto isso te assusta?
Assusta menos do que assustou no começo da pandemia por causa da expertise em transformar alas não covid em covid e vice-versa. Assusta mais no sentido de termos que interromper tratamentos de doenças não covid.
• Os dados do Einstein mostram que vocês tiveram uma mortalidade por covid-19 de 16,6% entre os pacientes que foram para a UTI. Outros hospitais têm índices muito maiores, que ultrapassam 50%. Como foi possível ter um baixo índice?
O que importa no tratamento dessa doença é o suporte à vida, o tratamento multidisciplinar e não um tratamento específico. Isso tem a ver com a qualidade de UTI, da disponibilidade dos recursos. Por exemplo, 40% dos pacientes precisaram de diálise. A maior causa de mortalidade em Nova York foi a falta de diálise. E obviamente
influencia nessa mortalidade as condições da população. A população carente de cuidados médicos terá uma taxa de mortalidade muito maior. Talvez em um hospital como o nosso a gente tenha uma população com um controle melhor das suas doenças.
• Quando você acha que voltaremos a uma situação próxima da normalidade?
Eu estava lendo um artigo da Nature em que entrevistaram uma centena de cientistas do mundo inteiro. E a opinião da maioria é de que a gente vai ter uma presença endêmica do coronavírus por um tempo extremamente longo. Eu não vejo muito próximo o retorno a uma vida normal.
• Qual é o aprendizado que fica de um ano de pandemia?
São vários aprendizados, mas talvez o principal é que quando a gente fala de saúde, isso é uma parte do conhecimento que diz respeito à ciência. A liderança não pode ser feita por políticos. Ela pode ter políticos, mas tem de respeitar o conhecimento científico. Esse é um grande aprendizado que falta para o nosso País.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.