14/03/2021 - 16:11
O dia 12 de fevereiro de 2021 tinha tudo para ser comemorado com pompa pelo partido Novo. Fundado pelo financista João Amoêdo e por mais 180 apoiadores sem experiência política, para lutar pelo liberalismo econômico e pela moralização da vida pública, o Novo completava 10 anos de vida.
Mesmo com um desempenho que deixou a desejar no pleito municipal de 2020, no qual elegeu apenas 29 vereadores e um prefeito (Joinville-SC) em todo o País, não faltavam motivos para celebrar a data. Único partido a não usar recursos dos pagadores de impostos para sobreviver e financiar as suas campanhas, o Novo tem, hoje, além dos representantes municipais eleitos no ano passado, o governador de Minas Gerais, 8 deputados federais, 12 deputados estaduais e um deputado distrital.
Em 2018, nas eleições para a Presidência, as primeiras que o Novo disputou, Amoêdo ficou em quinto lugar, com quase 2,7 milhões de votos, o equivalente a 2,5% do total, à frente de nomes como o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB), a ex-senadora Marina Silva (Rede) e o senador Alvaro Dias (Podemos).
Mas, exceto por um comunicado oficial no site do partido e algumas manifestações acanhadas nas redes sociais, o aniversário que marcava a primeira década do partido passou praticamente em branco – e não só por causa das restrições impostas pela pandemia. O Novo vive uma guerra fratricida e a sua maior crise desde a fundação, em 2011. Um dos principais doadores do Novo, que prefere se manter na sombra, afirma que o partido passa por um momento “muito delicado”.
Polarização. De um lado, está Amoêdo, que ficou sem função na direção partidária depois de ter renunciado à presidência, em março de 2020, para, segundo ele, “mostrar que o Novo não depende só de uma pessoa” e “ter um pouco mais de liberdade” para expor as suas posições. Do outro, estão os políticos do partido, aí incluídos o governador de Minas, Romeu Zema, a bancada federal e a maior parte de seus deputados estaduais e vereadores.
Amoêdo defende que o Novo apresente um pedido de impeachment de Jair Bolsonaro e estimulou a adoção de uma postura de oposição em relação ao governo, aprovada pelo Diretório Nacional, o órgão máximo do partido, na semana passada. Zema e a maioria dos mandatários são contra as duas posições e queriam que o partido mantivesse a independência adotada desde a posse do presidente, em 2019, mas foram derrotados nesta questão.
A decisão do Diretório Nacional representou uma espécie de compensação para Amoêdo, que havia amargado um revés no fim de janeiro, com a decisão do partido de não apresentar por ora um pedido de impeachment. A proposta foi rechaçada por seis de seus oito deputados federais, que ameaçaram se desligar da sigla se ela fosse levada adiante. Zema também se colocou contra a medida. Para evitar um racha definitivo, o órgão teve de recuar. “O partido não acabou por milagre”, diz o cientista político Christian Lohbauer, que foi candidato a vice-presidente na chapa de Amoêdo e um dos signatários da ata de fundação do Novo, em 2011.
Em meados de fevereiro, Amoêdo usou o seu perfil no Twitter para criticar a posição da bancada federal do partido contra a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), que ameaçou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e defendeu o AI-5.
Ao menos dois deputados, Alexis Fonteyne (Novo-SP) e Marcel Van Hattem (Novo-RS), reagiram à espetada fazendo comentários no post. “Acredito que nem os clones do João Amoêdo iriam se entender com ele”, diz Fonteyne. “Seria muito injusto, depois de eu ter trabalhado dez anos para a formação do partido, não poder dizer que sou contra uma votação da bancada”, afirma Amoedo.
Os conflitos políticos, porém, são apenas “a ponta do iceberg” e, segundo lideranças e filiados do Novo, refletem divergências relacionadas à organização e ao funcionamento do partido. “As brigas são reflexo de um problema de governança”, diz Mateus Bandeira, candidato a governador do Rio Grande do Sul pelo Novo em 2018, que se desfiliou da legenda após as eleições e está escrevendo um livro sobre a campanha, no qual dedica alguns capítulos ao partido e a Amoedo.
‘Partido do João’. Apesar de seu afastamento da direção, muitos líderes partidários dizem que o Novo continua a ser “o partido do João”. A percepção é de que ele precisa trabalhar mais em equipe e não deve ter a palavra final nas decisões. “O partido não pode se resumir à opinião do João Amoêdo”, afirma Fonteyne.
No Diretório Nacional, ao menos dois dos cinco integrantes são ligados ao fundador, de acordo com líderes da legenda, e um flutua para um lado e para o outro, ao sabor dos acontecimentos. Amoêdo mantém, ainda, o controle da Comissão de Ética, cujos integrantes foram indicados por ele quando era presidente do partido e ainda não foram trocados por seu sucessor, Eduardo Ribeiro.
Além disso, a assessoria de imprensa de Amoêdo é a mesma da legenda, embora com contratos distintos para as duas tarefas, assim como a empresa que cuida de suas redes pessoais e das redes do Novo. “A informação é pública e está inclusive no site da assessoria”, afirma Amoedo.
Há, ainda, uma questão estrutural, relacionada à exclusão dos mandatários das decisões políticas, que costuma causar muito ruído. Como o Novo separa a gestão partidária de seu braço político, não há um canal formal de participação dos mandatários nas decisões, ainda que, eventualmente, eles sejam ouvidos de maneira informal. “O que está no estatuto do partido é que não deveria haver contaminação das agendas política e administrativa. Mas, na prática, o braço político está sendo subordinado ao administrativo, que não leva em conta o pessoal que está no front, e isso é um erro crasso”, afirma Christian Lohbauer.
Sem solucionar os problemas de governança, os conflitos políticos conjunturais, que envolvem o impeachment de Bolsonaro e a posição em relação ao governo, poderão até ser superados, mas outros, provavelmente, virão mais adiante.
TRÊS PERGUNTAS PARA…
João Amoêdo, fundador do Novo e ex-presidente da legenda
1. Está havendo uma forte polarização no Novo, da qual, de certa forma, o sr. é o pivô. O que está acontecendo?
Há certa divisão dentro do partido. Há pessoas que são anti-Bolsonaro, por tudo o que ele tem feito, e pessoas que entendem que o Bolsonaro tem lá suas qualidades. O fato de existirem essas duas correntes e de o partido ter se colocado de forma independente até a semana passada, quando definiu uma postura de oposição), na linha do “olha, nós elogiamos as coisas boas e criticamos as coisas ruins”, é que acabou gerando essa polarização.
2. O sr. criticou a bancada federal e o governador Romeu Zema e houve um bate-boca em público com parlamentares do Novo. Qual a razão?
Não há nenhuma crítica minha ao governador nem à bancada e não há bate-boca em público. Disse apenas que discordava do voto da bancada pela soltura do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) e pelo fato de que o partido não tinha uma posição clara em relação ao governo. No caso do Zema, ele disse que era contra a decisão do Novo de apoiar o impeachment. Eu simplesmente falei que, se fosse verdadeira essa informação, de que o partido tinha resolvido apoiar o impeachment, eu parabenizava o Novo.
3. Onde isso vai parar? Vai haver um racha no Novo?
Acredito que deveria ser um caminho natural para o partido dizer se houve ou não crime de responsabilidade e se deve ou não haver pedido de impeachment. Se isso for feito, para um lado ou para o outro, em cima dos fatos, da racionalidade, pode até haver uma cisão, mas o partido sairá fortalecido, pela coerência.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.