O empresário Antônio Ermírio de Moraes costumava afirmar que só tirou férias duas vezes. A primeira, em 1953, quando saiu em lua de mel pela Europa e aproveitou para visitar siderúrgicas na Alemanha e na Áustria. A segunda, e derradeira, em 1992, teve duração de apenas duas semanas. “Fiz as contas e concluí que as férias e fins de semana que deixei de aproveitar significam 14 anos de vida”, afirmou Ermírio de Moraes, em 1999, ao receber o título de Administrador Emérito do Conselho Regional de Administração de São Paulo. “Não é uma lamentação, mas uma constatação.”

Workaholic assumido, humilde por natureza, gentil e respeitoso com as pessoas, sem distinção de nível social, e patriota fervoroso, o empresário consolidou o grupo Votorantim, fundado por seu pai, o senador pernambucano José Ermírio de Moraes, como um dos maiores conglomerados industriais da América Latina. Sua morte, no domingo 24, aos 86 anos, encerra uma história de sucesso e de luta pelo desenvolvimento do Brasil. Conhecido como “capitão” por sua liderança no meio empresarial, Antônio Ermírio é o maior ícone de uma geração de empresários que transformou o Brasil, com todas as suas adversidades, na maior potência industrial da América Latina.

A morte de Antônio Ermírio repercutiu em todos os setores da vida nacional. Entre as empresas que enviaram coroas de flores ao velório do “doutor Antônio”, como costumava ser chamado no dia a dia, estavam não só antigas parceiras e concorrentes, como Fiat, GM, Volkswagen e Rio Tinto, mas também companhias de setores não relacionados diretamente aos negócios da Votorantim, que viam no empresário um exemplo de força e competência, como a Microsoft. Apesar de ter deixado de dar expediente na Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), uma das joias da coroa da Votorantim, em 2009, o simples fato de Antônio Ermírio estar vivo servia de inspiração e exemplo para as gerações mais jovens de empresários e para aqueles que acompanharam de perto sua trajetória.

Ao sair de cena, deixa um legado de perseverança e muito trabalho, que vai acompanhar os empreendedores brasileiros para a eternidade. “O País perdeu um pioneiro na criação da economia brasileira moderna”, afirmou Lázaro de Mello Brandão, presidente do conselho de administração do Bradesco. “Foi-se um homem de crenças e coragem na defesa dos valores do investimento, do emprego e da produção.” Sob seu comando, dividido com o irmão mais velho José Ermírio, morto em 2001 e a quem sucedeu na presidência do conselho de administração do grupo, o Votorantim figurou por quase 50 anos não só como o maior, mas como o mais importante conglomerado industrial do Brasil.

Até hoje, ele concentra algumas das maiores empresas do País e do mundo, como a Votorantim Cimentos, maior cimenteira nacional, a Fibria, que lidera a produção mundial de celulose de fibra curta, e a Citrosuco, líder global do mercado de suco de laranja. Durante sua gestão, não houve sequer um ano de prejuízo. O estilo de gestão de Antônio Ermírio, Empreendedor do Ano da DINHEIRO em 2001, era pautado pelo conservadorismo. Ele era avesso a pedir dinheiro emprestado e sempre criticou o sistema financeiro. “Não me conformo de um banco render mais do que uma grande indústria”, costumava dizer.

“Se eu não acreditasse no Brasil, seria banqueiro.” Mesmo quando o grupo decidiu se arriscar no mercado financeiro e abrir seu próprio banco em 1991, ele se manteve firme em suas convicções. “Nosso banco é basicamente para administrar as contas e aplicações de nossas empresas”, disse, sobre o Banco Votorantim. “Não é uma instituição financeira como as outras.” Dezenas de empresários e autoridades foram prestar as últimas homenagens a Antônio Ermírio, que foi velado no Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, na segunda-feira 25.

Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, destacou a ética com que o empresário conduzia seus negócios. “Ele sempre lutou muito pelo Brasil e foi um grande exemplo”, afirmou Setubal. O empresário Benjamin Steinbruch, controlador da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), lembrou que o grande legado de Antônio Ermírio é o trabalho. “Ele foi sempre muito dedicado ao trabalho, com seriedade e sucesso”, disse. “Esse é seu maior ensinamento.” Steinbruch foi responsável pelo único grande revés do empresário nos negócios. Em 1997, os dois disputaram o leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Dois meses antes do pleito, a Previ e o Bradesco, que estavam ao lado da Votorantim, acabaram se unindo à CSN, com apoio do BNDES e do presidente Fernando Henrique Cardoso. Mesmo com a derrota, Antônio Ermírio desejou sorte ao oponente. O ex-ministro da Fazenda Delfim Netto também lamentou a morte de Ermírio. “Uma perda inestimável”, disse. “Se você quiser uma definição de empresário, use Antônio Ermírio de Moraes.” As palavras do ex-ministro mostram o quanto o comandante da Votorantim era admirado, tanto por seus parceiros quanto por seus oponentes.

Em 1980, com Delfim Netto à frente da equipe econômica do governo Figueiredo, Antônio Ermírio peitou as autoridades e fechou por alguns dias a Siderúrgica Santo Amaro, na Bahia. Ele protestava contra o tabelamento de preços instituído pelo Ministério do Planejamento, sob a chefia de Carlos Viacava. “Aceito muitas coisas, mas não posso me sujeitar a acatar lições de moral do Delfim e muito menos ainda de um moleque como o Viacava”, disse Ermírio, na época. “O governo manda e desmanda na política econômica, mas nas minhas empresas quem manda sou eu.”

Suas críticas contumazes à política econômica dos governos militares o elevaram a uma condição de liderança da oposição ao regime ditatorial. Após a redemocratização, exerceu grande influência no debate nacional instalado, inclusive durante os trabalhos da Assembleia Constituinte, de 1987 a 1988. Em 1986, se candidatou ao governo de São Paulo. A campanha ficou marcada por seu enfrentamento com o hoje deputado Paulo Maluf (PP/SP), a quem chamou de “corrupto, sem-vergonha e cara de pau”. Ficou em segundo lugar, atrás de Orestes Quércia.

Nascido na capital paulista, em 4 de junho de 1928, Antônio Ermírio seguiu os passos de seu pai, José Ermírio, que fundou a empresa em 1918, na cidade de Votorantim, no interior de São Paulo. Assim que completou 18 anos, foi morar nos Estados Unidos, onde se formou engenheiro pela Colorado School of Mines, mesma faculdade cursada pelo pai. Foi em solo americano que ele conheceu Maria Regina da Costa, sua única esposa, com quem teve nove filhos: cinco homens (Antônio, Carlos, Mário Luís e Rubens) e quatro mulheres (Rosa Helena, Vera Regina, Maria Lúcia e Maria Regina).

Logo depois do casamento, em 1953, o empresário deu início ao seu principal projeto, que o colocaria para sempre entre os maiores empreendedores brasileiros. Dois anos depois, inaugurou a CBA, que sempre foi sua menina dos olhos. Em 2007, ela recebeu o prêmio de Empresa do Ano de As Melhores da Dinheiro, das mãos do diretor e editor responsável, Domingo Alzugaray. “No fundo, a paixão dele era a fábrica”, afirmou sua filha Regina de Moraes. “Era a forma como ele amava a vida.” Do pai, Antônio Ermírio herdou a humildade. Na época da inauguração da CBA, sua família levava uma vida simples.

Eles moravam em uma casa rural na Fazenda Rodovalho, próximo a Mairinque (SP), onde, mais tarde, seria criado o município de Alumínio. Não tinham nem telefone. Mesmo depois de entrar para a lista dos homens mais ricos do mundo, em 1987, manteve o jeito simples de ser. Orgulhava-se de nunca ter andado com seguranças, mesmo quando passeava pelo centro da capital paulista, um dos seus passatempos, indefectivelmente vestido em ternos antigos, quase sempre amarrotados. Seu último desejo, dizia, era morrer trabalhando.

Atacado pela hidrocefalia e pela doença de Alzheimer, sua saúde não permitiu a realização desse sonho, obrigando-o a afastar-se dos negócios do grupo, cuja direção já havia repassado à terceira geração da família, no início da década passada, encabeçada por seu filho Carlos, morto em 2011, e pelo sobrinho José Roberto. A dupla deu seguimento ao processo de profissionalização, com a entrega do manche ao executivo Raul Calfat, que preside o conselho da Votorantim Participações. Em 2009, já debilitado, renunciou à presidência da Beneficência Portuguesa, que exercia desde 1971. Pouco depois, deixou de bater cartão na sua adorada CBA. Morreu em casa, onde vivia acamado desde então, de insuficiência cardíaca.