13/05/2021 - 9:46
“Chegamos aqui, e foi outra vida”, reclama Elizabeth González, obrigada, assim como milhares de chilenos, a viver em um assentamento informal, uma das faces mais visíveis do aumento da pobreza no Chile, que reapareceu após os protestos sociais e a pandemia.
O poder político do país acreditava que o drama da pobreza havia sido controlado em seus anos de “boom” econômico. Mas as mobilizações em massa que estouraram a partir de 18 de outubro de 2019 impactaram a atividade produtiva, e a pandemia do coronavírus veio justamente quando a economia se recuperava no início de 2020, paralisando a atividade por vários meses.
A proliferação de barracos nas ruas e de “ollas comunes”, espécie de cozinhas comunitárias – como não se via desde a ditadura (1973-1990) -, assim como o aumento do número de famílias que vivem em assentamentos retratam a forma como a pobreza ressurgiu no Chile.
“Minha vida mudou 100%. Alugávamos uma casa, mas depois não deu mais para alugar. A gente tinha ordem de despejo, e tivemos que vir pra cá. Demorei muito para me acostumar com isso”, conta à AFP Elizabeth González, que há pouco mais de um ano foi morar no assentamento La Cancha, erguido em um dos morros do município de Lo Barnechea, no leste de Santiago.
Como ela, cerca de 100 famílias se instalaram neste lugar, um bolsão de pobreza em um dos bairros mais ricos de Santiago. Lá, construíram pequenas casas de madeira e de latão, sem acesso aos serviços básicos, formando um grande contraste com as luxuosas mansões localizadas no mesmo município.
“Não durmo tranquila pensando que, se nos despejarem, estarei na rua”, acrescenta Elizabeth.
Até 2019, o Chile tinha os melhores indicadores de pobreza da América Latina, atrás do Uruguai. Depois de mais de três décadas de declínio sustentado, porém, esta taxa passou de 8,1% para 12,1% em pouco mais de um ano.
– Aumento abrupto –
Em 2020, a economia chilena caiu 5,8%, seu pior momento em 40 anos, e mais de um milhão de pessoas perderam seus empregos.
No último ano, foram contabilizados 167 novos assentamentos, com um total de 81.643 famílias em 969 assentamentos, números que, em pouco tempo, ultrapassaram as 47.050 que residiam nos 802 assentamentos existentes em 2019, segundo levantamento do Fundação Techo.
“Foi, de longe, o aumento mais abrupto da população em assentamento nos últimos 40 anos no Chile”, garante Sebastián Bowen, diretor desta fundação com presença em 19 países latino-americanos e que promove ações em assentamentos pobres com seus habitantes e jovens voluntários.
Das pessoas que foram morar em um assentamento, 31% fizeram isso, porque não podiam mais pagar o aluguel. Outros 24% tomaram esta decisão por necessidade de independência, por residirem em áreas populosas, ou em casas de parentes.
“O mais difícil é a fome”, desabafa Ingrid Lara, angustiada com a miséria.
Ela assumiu a cozinha comunitária no assentamento Nueva Esperanza, no município de La Pintana (sul de Santiago), onde mora com o marido e com a filha em uma casa construída com madeira e latão. Diariamente, ela cozinha para 46 famílias que ficaram sem trabalho durante a pandemia.
A situação se repete no assentamento La Chimba, montado em um lixão da cidade de Antofagasta, no norte do país, considerada a capital mundial da mineração de cobre. Nos últimos anos, a localidade recebeu milhares de migrantes – colombianos, peruanos e bolivianos – em busca do “sonho chileno”, sustentado pela bonança do preço do metal, do qual o Chile é o maior produtor mundial.
Os baixos salários e o alto custo de vida na cidade acabaram arrastando muitos deles para os assentamentos construídos nas colinas áridas que cercam Antofagasta.
“Vivem em terra de ninguém, abandonados, e a pobreza se agrava quando ninguém sabe que você existe”, lamenta o padre jesuíta Felipe Berríos, que mora em La Chimba há seis anos.
Bowen aponta que os assentamentos são “um sintoma de uma doença mais profunda, que é o difícil acesso à moradia”.
Anualmente, o Estado entrega pouco mais de 20.000 soluções habitacionais, o que é insuficiente para responder às 600.000 famílias que buscam um teto.
“Nesse ritmo, o Chile não conseguirá nem em 30 anos resolver o déficit habitacional”, acrescenta Bowen.