Um estudo preliminar com pacientes graves do coronavírus apontou que 91% dos idosos e 88% dos adultos que foram internados na UTI pela doença apresentam síndrome de fragilidade mesmo um mês após receberem alta. Além de sintomas como perda de peso, exaustão e diminuição da força muscular, a pesquisa indica também que muitas dessas sequelas podem evoluir para quadros de ansiedade, depressão ou limitações motoras e cognitivas.

Conduzido pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o estudo já entrevistou 150 pacientes que foram internados na UTI pelo coronavírus. Pós-doutor em Neurologia e Neurociências, José Eduardo Pompeu, coordenador do projeto e professor de fisioterapia no HCFMUSP, explica que ainda é cedo para afirmar se essas sequelas são efeitos neurológicos causados pelo próprio vírus da Sars-CoV-2 ou se estão associados à experiência de entrar e sobreviver ao tratamento intensivo em meio à pandemia.

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“É uma somatória de tudo isso. Fica difícil separar o que é afetado diretamente pela covid, até mesmo pelas consequências e efeitos secundários de uma internação prolongada em UTI”, afirma, citando que a “síndrome pós-UTI” também acomete pacientes de outras doenças, mas é intensificada pelo longo período em intubação ou ventilação mecânica em vítimas do coronavírus.

A síndrome de fragilidade, explica Pompeu, é mais comum entre idosos, mas também tem impactado o quadro de recuperação para pacientes adultos da covid. Ela se manifesta por meio da perda de peso não intencional, exaustão, redução da velocidade ao caminhar, diminuição da força muscular e também da atividade física.

Livre da covid desde setembro do ano passado, Keli Cristina Macedo, de 45 anos, conta que até hoje tem dificuldades para respirar e vive em constante medo de uma nova infecção. Ela passou 15 dias internada, sete deles na UTI, teve uma hemorragia e um AVC por causa do coronavírus e durante todo o período não teve contato com nenhum familiar ou amigo.

“Senti o alívio de ter saído, mas cheguei em casa ainda muito ruim. Não conseguia tomar banho sozinha, com a respiração muito ruim e um problema nas pernas e no braço”, conta Keli. Foram dois meses e meio com três sessões de fisioterapia por semana até recuperar as funções motoras e, mesmo hoje, ela precisa fazer sessões em casa para melhorar o movimento dos braços. “Se eu for estender uma roupa, meu pulmão já começa a doer.”

Logo após ela receber alta, Keli diz que já sentia as sequelas neurológicas da covid. “Minha memória continua uma porcaria, tudo que eu faço tenho que contar para a minha filha. Quando saí, nem a senha do cartão e meu endereço de casa eu lembrava.”

O pavor de contrair o vírus novamente também permanece. “A vida muda muito. Você fica com mais receio, com pânico de sair na rua, não quer que ninguém venha na sua casa, chega a ter medo da própria família, sabe assim? É muito difícil.”

Os dados preliminares do HCFMUSP apontaram que, além da fragilidade, cerca de 30% dos pacientes entrevistados também apresentaram sintomas prováveis de ansiedade e depressão, a maioria pelo medo de ficarem doentes de novo. Ao mesmo tempo, atividades rotineiras também são afetadas por sequelas como incontinência urinária, dificuldade em ir ao banheiro, trocar de roupa, subir escada, tomar banho ou até se mover da cama para uma cadeira.

“Só de voltar vivo pra casa já é uma vitória. Mas você sabe que não tá voltando 100% do jeito que era. Não adianta, sempre tem alguma coisa”, conta Antonio Sabino, de 65 anos. Em março deste ano, ele passou uma semana internado na UTI pela covid e, ao receber alta, conta que continuou com uma sensação de cansaço constante e falta de ar que impediam até uma simples conversa em casa.

Apesar de estar aposentado, seu Antonio conta que o valor de um salário mínimo da pensão não é suficiente para sobreviver e, por isso, ele trabalha como vigia de obras no centro de São Paulo. Antes de retomar a jornada, entretanto, ele precisou pedir sete dias de folga após sair da UTI, para recuperar o fôlego, os movimentos e também a memória.

“Tudo que vou fazer, eu esqueço em dois ou três minutos. Se deixo uma coisa num lugar, esqueço onde tá. Se vou pegar algo no carro, esqueço também o que ia pegar.” Para seu Augusto, a volta à rotina ainda é um desafio. “De início eu nem ia no mercado, tinha medo de entrar e pegar o vírus de novo. Quando você pega, fica com um pouco de trauma.”