26/07/2021 - 21:07
Maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, onde vivem cerca de 140 mil pessoas, o Complexo da Maré começa nesta quinta-feira, 29, a vacinar em massa todos os seus moradores com mais de 18 anos. A iniciativa é parte de um estudo liderado pela Fiocruz sobre o impacto da vacinação contra a covid-19 em uma população desse porte. A imunização nas 16 favelas da comunidade vai até 1º de agosto. É a primeira vez que um estudo desse tipo é feito com tamanha abrangência.
A meta é antecipar a vacinação de 31 mil pessoas que, junto com as demais faixas etárias que já foram vacinadas, passarão a ser monitoradas pelos pesquisadores. A eficácia da vacina será avaliada a partir de critérios como idade, sexo, tipo de vacina ministrada, tempo de infecção após vacinação, tempo até a segunda dose, ocorrência de casos graves e prevenção de mortes pela doença. Serão 121 salas de vacinação, em 28 locais diferentes: postos de saúde, escolas, associações de moradores.
“Olhar o impacto da vacinação numa grande comunidade já seria algo inédito”, afirma o coordenador do estudo, o infectologista Fernando Bozza, da Fiocruz.
“Agora, pensar que isso será realizado na Maré, que tem uma dimensão populacional superior a 96% dos municípios do País, é algo único, que nos permitirá um mapeamento com características singulares.”
Além de testar a efetividade da imunização, a pesquisa vai levantar aspectos da doença em si. Serão pesquisadas características como a dinâmica de transmissão do vírus no território, a vigilância das suas variantes e o acompanhamento de possíveis efeitos adversos da vacina.
Para calcular a proteção que a vacina conferirá à população do complexo, será feita testagem em massa. Além disso, todos os resultados positivos serão encaminhados para a realização do sequenciamento genético. Isso permitirá identificar a variante do vírus e entender, por exemplo, se algumas cepas são mais eficientes do que outras para burlar a imunização.
“Comparativamente ao restante da cidade, a comunidade da Maré vacinou muito pouco, porque a população ali é muito jovem; apenas 5% dos moradores têm mais de 60 anos”, destaca o coordenador do estudo. “Vamos aprender também como mobilizar esses jovens e adultos jovens para a imunização, numa comunidade conflagrada, com três grupos armados em conflito, com todas as dificuldades que a gente conhece.”
Depois de vacinadas, duas mil famílias (cerca de 8 mil pessoas) serão acompanhadas de perto por seis meses. A meta será entender melhor a dinâmica da disseminação do vírus dentro das casas. Os pesquisadores querem saber como se dá a transmissão na família e, principalmente, se as crianças e adolescentes estarão protegidas com a imunização dos adultos.
“Um dos objetivos do estudo é entender a dinâmica da transmissão e a proteção indireta que esse grupo pode adquirir uma vez que a família esteja imunizada”, explica Bozza. “Queremos entender se a vacinação em massa da população adulta inibe a circulação do vírus de forma a proteger também as crianças e adolescentes (que não serão vacinados).”
A mobilização dos moradores da comunidade para a vacinação é também um desafio, coordenado pela ONG Redes da Maré, que atua há mais de 20 anos na região. Influenciadores locais e artistas como Taís Araújo e Jojô Todyinho estão ajudando. Ao todo, mais de duas mil pessoas estão envolvidas nos trabalhos de mobilizar e vacinar os moradores do Complexo.
“Este é um momento importante, não só de reconhecimento da potência do território e do nosso trabalho, mas do estabelecimento de direitos, de forma republicana, para os moradores de favelas”, sustenta a diretora da Redes da Maré, Eliana Silva. “A parceria com instituições de diferentes níveis é um caminho concreto para reverter os danos causados pela pandemia e para a implementação de políticas públicas que respondam aos desafios estruturais que vivenciamos.”
Bozza aposta que vai ser um “momento histórico”. “Vamos vacinar uma comunidade inteira, com 140 mil habitantes, numa parceria da Fiocruz, da secretaria municipal de saúde e das Redes da Maré, numa demonstração de que tem jeito para fazer as coisas.”