O ensinamento está em A Arte da Guerra, um tratado militar escrito 500 anos antes de Cristo: “A habilidade de alcançar a vitória mudando e adaptando-se de acordo com o inimigo é chamada de genialidade”. Talvez possamos tirar o predicado “genialidade” da história da GETTR, a mais nova rede social de origem americana que já faz barulho no Brasil. É possível chamarmos de “oportunidade”. Enquanto gigantes como Facebook e Twitter trabalham para aperfeiçoar suas regras de uso, apagam posts que infringem as normas e até excluem perfis de pessoas que insistem em violar os termos e políticas das plataformas, com conteúdo de incitações à violência e ao ódio e disseminação de fake news, a GETTR, que se autointitula “contra a cultura do cancelamento”, tem recebido de braços abertos representantes dessas correntes mais agressivas.

O fundador e CEO da rede social é Jason Miller, ex-conselheiro, porta-voz e estrategista das ações de comunicação de campanhas do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, justamente uma das figuras que tiveram suas contas banidas das plataformas tradicionais por mensagens falsas e afirmações sem comprovação de fraudes eleitorais, sobre a pandemia de Covid-19 e por incentivar a invasão – que resultou em cinco mortes – ao Capitólio, em janeiro deste ano. Qualquer semelhança com as atitudes do presidente brasileiro não é mera coincidência, é compatibilidade de pensamentos mesmo.

Miller defende que sua rede evidencia a liberdade de expressão para todos. “Um verdadeiro marketplace de ideias”, disse ele à DINHEIRO, em referência ao slogan da sua empresa de mídia. E afirma que não favorece pontos de vista políticos em detrimento da filosofia de outro usuário. “GETTR está desafiando os monopólios de mídia social das Big Techs com um produto superior, melhor experiência do usuário e mais recursos. E fornece a única coisa que as empresas do Vale do Silício não podem prometer: é livre de cancelamentos.” Apesar de propagar um certo vale-tudo na rede, o executivo garante que leva a questão da incitação ao ódio a sério. “Não hesitaremos em remover conteúdo e usuários que violem nossas diretrizes da comunidade.”

Lançada oficialmente em 4 de julho, a plataforma é muito parecida com o Twitter. Permite textos de até 777 caracteres, possibilidade de postar vídeos de até três minutos e função de edição de filmes dentro do app. Outra característica é a importação de tuítes já publicados, mas essa ferramenta está suspensa por causa de ação do Twitter sobre os direitos dos usuários. Será retomada em breve, promete a GETTR. Doação para criadores de conteúdo e para campanhas políticas e streaming de vídeos são algumas finalidades que serão liberadas em brev

PERFIL A GETTR tem características parecidas com as do Twitter, mas com possibilidade de textos e vídeos um pouco maiores. (Crédito:Divulgação)

ESTREIA Logo após ser lançada e sofrer ataque hacker em várias contas, mostrando certa vulnerabilidade na segurança, a plataforma ligada ao conservadorismo yankee alcançou um recorde entre as redes sociais ao registrar 1 milhão de usuários em apenas três dias. Para efeito de comparação, o Instagram demorou dois meses e meio para atingir a marca, o Facebook, dez meses, e o Twitter, dois anos. Hoje são 1,5 milhão de contas na GETTR, sendo 45% americanos. O Brasil é o segundo país em número de usuários, com 225 mil cadastros, 15% do total. O presidente Jair Bolsonaro (161 mil seguidores) e seus filhos Eduardo e Flávio têm perfil na rede, que atualmente se sustenta com investidores não revelados. Pelas características da plataforma e do perfil dos usuários, que buscam espaços virtuais coletivos que possibilitem a interação mais explícita de seus próprios valores, com opiniões ou conceitos menos aceitos pelo mainstream, especialistas alertam para campo aberto a propagação de fake news.

Para Fernando Moulin, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente e business partner da Sponsorb, deverá haver espaço para que a GETTR se consolide como padrão para um grupo extremamente conservador e radical que se sinta à vontade em meio a discursos de ódio e extremistas. “Ou que colabore para a profusão desse tipo de conteúdo tóxico e recheado de fake news”, disse. A tendência de ser uma bolha para pensamentos unilaterais é destacada por Rafael Arty, sócio e diretor comercial da Squid, martech especializada em marketing de influência e comunidades. “As pessoas estão se separando mais e buscando contatos com aqueles que possuem o mesmo viés que elas.” Diego Santana, especialista em marketing digital e gerente de tráfego na Gestor de Performance, concorda. “É como grupos do Facebook fora do Facebook”, disse, ao ressaltar que possíveis publicidades na plataforma serão feitas com anúncios já esperados e fluxo de “publicidade extremamente controlado, fechado com empresas parceiras”.

Sucesso ou derrocada da GETTR, a história vai dizer. E aqui vale mais uma reflexão preciosa de A Arte da Guerra. “Um soberano jamais deve colocar em ação um exército motivado pela raiva; um líder jamais deve iniciar uma guerra motivado pela ira.” Não parece ser o caso.

ENTREVISTA: JASON MILLER, CEO DA GETTR
“Não temos medo de ideias que desafiem as nossas”

Divulgação

DINHEIRO – A GETTR surge como uma alternativa às redes mais tradicionais utilizadas por bilhões de pessoas em todo o mundo. Qual é seu diferencial?
Jason Miller – A Internet sempre foi promissora como a superestrada da informação, mas só pode ser tão boa quanto os gateways disponíveis para os usuários. A GETTR permite uma verdadeira troca de ideias e informações, sem a censura pesada de opiniões e o cancelamento de contas que são comuns entre os gigantes da tecnologia. GETTR terá sucesso no espaço da mídia social onde outros falharam. Nos próximos meses, a GETTR revelará recursos adicionais que deixarão os outros gigantes da mídia social lutando para se atualizar.

Quais são as políticas de uso do GETTR? Existe a possibilidade de alguém ser excluído ou ter seu perfil suspenso?
A GETTR foi projetada para ser um marketplace de ideias e criar um espaço que promova a liberdade de expressão e incentive a troca de ideias. Não temos medo de ideias que desafiem as nossas e não iremos cancelar as pessoas por suas opiniões políticas ou ideológicas.

Muitos perfis foram cancelados pelas redes sociais tradicionais por conterem informações falsas ou conteúdo odioso. GETTR irá recebê-los. Isso significa que GETTR aceitará qualquer tipo de comportamento?
Levamos a questão da incitação ao ódio muito a sério e não hesitaremos em remover conteúdo e usuários que violem nossas diretrizes da comunidade. GETTR não tolerará ameaças ou intimidação; bullying, assédio ou perseguição; calúnias homofóbicas, raciais ou sexuais; encorajamento de comportamento criminoso ou ilegal; encorajamento à automutilação; compartilhamento de informações privadas de outra pessoa; conteúdo sexualmente explícito; spamming; ou conteúdo que retrate violência excessiva.

A GETTR poderia ter uma grande influência nas eleições presidenciais brasileiras de 2022?
Como já ocorre em qualquer outra rede social, a política é um dos principais temas discutidos na GETTR e a livre troca de ideias pode impactar de alguma forma o cenário político.

A tendência é que a rede seja usada por grupos mais radicais ou pessoas mais moderadas podem ser atraídas também?
GETTR é uma plataforma de liberdade de expressão para todos. Um verdadeiro marketplace de ideias. Não favorece pontos de vista políticos em detrimento à liberdade de expressão de outro usuário. E fornece a única coisa que as empresas do Vale do Silício não podem prometer: é livre de cancelamentos.

Como a GETTR se sustenta financeiramente?
A GETTR USA é uma empresa privada com sede na cidade de Nova York. Nossa missão é fornecer a melhor plataforma de tecnologia para sermos um marketplace de ideias. Por causa disso, temos um conjunto incrível de investidores que acreditam na nossa tecnologia e na nossa missão.