31/08/2021 - 6:08
Ezmarai Ahmadi retornou para casa em Cabul no domingo, deixou as chaves do carro com o filho e observou as demais crianças da casa brincando alegremente dentro do automóvel. EM seguida, um míssil americano caiu no local e matou 10 pessoas, explica seu irmão.
“O míssil explodiu em cima do veículo lotado de crianças, que estava estacionado dentro de casa”, declarou Aimal Ahmadi, irmão de Ezmarai, em Kwaja Burga, bairro populoso ao noroeste Cabul.
“Matou todas as pessoas”, completa.
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Aimal Ahmadi afirmou que 10 membros da família faleceram no ataque aéreo, incluindo sua filha e outras cinco crianças.
Na segunda-feira, quando a AFP visitou o local, o pai de luto aguardava a chegada de parentes para ajudá-lo na organização do enterro da maioria dos membros de sua família.
“Meu irmão e seus quatro filhos morreram. Perdi minha filha pequena, sobrinhos e sobrinhas”, declarou com tristeza diante do carro destruído.
O governo dos Estados Unidos anunciou no domingo a destruição de um veículo com explosivos durante um ataque aéreo que tentava abortar uma tentativa do grupo Estado Islâmico de detonar um carro-bomba no aeroporto da capital afegã.
A ação pode ser considerada o último erro do exército americano em 20 anos de guerra contra os talibãs, período marcado pelas mortes de civis como “danos colaterais”.
“Sabemos que aconteceram substanciais e potentes explosões posteriores por causa da destruição do veículo, que indica que dentro dele havia uma grande quantidade de material explosivo que pode ter provocado mais vítimas”, disse o capitão Bill Urban, porta-voz do Comando Central do exército americano, no domingo.
“Não está claro o que pode ter acontecido e estamos investigando”, completou.
– Desespero –
As palavras representam uma grande crueldade para Aimal, que tem dificuldades para acreditar que o irmão poderia ser considerado um simpatizante do Estado Islâmico ou, ainda pior, um homem-bomba preparando um atentado.
Ezmarai era engenheiro e trabalhava para uma ONG, um afegão comum que apenas buscava chegar ao final do mês, em um período de forte instabilidade, explica.
Mas os nervos americanos estavam à flor da pele depois de um atentado na quinta-feira da semana passada na entrada do aeroporto, onde uma multidão estava reunida com a esperança de deixar o país.
Mais de 100 pessoas morreram, incluindo 13 soldados americanos, pouco antes da conclusão da retirada das forças dos Estados Unidos, que deixaram o Afeganistão entre a noite de segunda-feira e a madrugada de terça-feira.
Após o ataque, a inteligência americana alertou para outro possível atentado. No domingo, os militares dos Estados Unidos afirmaram que impediram um novo ataque.
“Ainda estamos avaliando os resultados do ataque, que sabemos impediu uma ameaça iminente do EI-K ao aeroporto”, declarou Urban no domingo, ao citar a sigla do braço afegão do Estado Islâmico.
Pouco mais de 38.000 civis morreram entre 2009 e o fim de 2020, segundo a missão da ONU no Afeganistão, que começou a registrar as baixas civis em 2009. Outros 7.000 foram feridos no período.
Quando os vizinhos ouviram a explosão, correram para a casa de Aimal e Ezmarai para tentar ajudar a família.
“Todas as crianças morreram dentro do veículo, os adultos estavam mortos do lado de fora. O carro estava em chamas, encontramos apenas os cadáveres”, disse um deles, Sabir.
As desculpas preventivas dos Estados Unidos, que expressaram profunda tristeza por eventuais mortes de civis, não servem para nada, segundo Rashid Noori, outro vizinho.
“Os talibãs nos matam, o Estado Islâmico nos mata, os americanos nos matam”, afirma, desespera.
“Por caso pensam que todas as nossas crianças são terroristas?”, questiona.