14/09/2021 - 6:47
Agricultores alemães alimentam seus animais com soja brasileira, barata e boa, mas cultivada em detrimento da floresta tropical. Eleições na Alemanha e no Brasil trarão mudanças?Em 1989, o agricultor Wilhelm Eckei tomou uma decisão que levou seus vizinhos e colegas a declará-lo completamente louco. Ele se preparava para assumir a propriedade da família na região alemã de Sauerland e sonhava com um tipo diferente de agricultura, queria mais sustentabilidade, mais atenção ao bem-estar dos animais, sem antibióticos, sem ração de fora.
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E assim se tornou o primeiro agricultor na Alemanha a adotar o programa Neuland, de criação respeitando os animais. Pode-se dizer que foi o primeiro fazendeiro orgânico do país.
“Na época, começaram as críticas sobre a criação de animais em estábulos, as vacas e os porcos nem viam a luz do dia, e queríamos seguir um caminho diferente, mas com crescimento cada vez maior. Ainda bem que não chegaram aos nossos ouvidos todas as fofocas do vilarejo na época, certamente fomos bastante criticados”, diz Eckei, hoje com 59 anos, rindo.
Mudança nas redes de supermercados
Atualmente os 280 suínos e 35 bovinos da propriedade são criados da maneira adequada às espécies, com bastante movimentação. Os porcos caminham sobre palha e as vacas pastam no campo verde. A cada dia, os ovos das mil galinhas são vendidos diretamente na propriedade. Os 800 frangos, como os demais animais, são abatidos num açougue da região.
Eckei, inicialmente ridicularizado como exótico, deu início a um movimento ecológico que nem mesmo os supermercados baratos recusam mais. “Aldi e Lidl agora também acreditam que o consumidor quer ter no prato algo produzido de maneira alternativa.” Afinal, hoje, um em oito agricultores na Alemanha pratica a agricultura orgânica.
Produção própria de ração
Isso inclui a produção local da ração dos animais, e não com soja do Brasil, para cujo cultivo se desmata a floresta tropical. Eckei explica a receita de sua mistura de proteínas: “Favas, ervilhas, grãos, batatas e farelo de colza. Prensamos a colza para obter o óleo, e as sobras vão para a ração do gado.”
A agricultura convencional, por outro lado, continua usando a soja do Brasil porque a ração importada é mais barata. “A soja da América do Sul até que é uma ração muito boa, o fazendeiro consegue criar seus porcos com pouco dinheiro”, reconhece Eckei. Em contrapartida, a produção lhe consome tempo e dinheiro, e os custos adicionais são repassados ao consumidor.
Porcos alemães comem soja brasileira
O agricultor não quer que sua criação cause a derrubada de uma única árvore. Ele explica aos escolares que visitam sua fazenda que, devido à soja para a produção de ração, a Alemanha priva os agricultores da América do Sul de seu sustento, pois eles são expropriados e expulsos por grandes conglomerados.
“Para a maioria dos agricultores da Alemanha, o Brasil e os problemas da gente de lá estão bem distantes”, diz Eckei, que se engaja há décadas no Grupo de Trabalho Agricultura Rural, lobista de pequenas e médias propriedades e defensor da compatibilidade ambiental, um contrapeso para a poderosa e conservadora Associação Alemã de Agricultores (DBV).
“As áreas para cultivo de soja que a Alemanha não tem são simplesmente utilizadas em outras partes do mundo. Isso tem que parar, porque a população daqui quer um tipo diferente de agricultura.”
Reivindicação por leis mais rígidas na UE
Anton Hofreiter esteve no Brasil em 2015 e se impressionou com os praticamente infinitos campos de soja. O deputado federal do Partido Verde alemão é o político na Alemanha mais veementemente a favor de acabar com o atual modelo de negócios agrícolas com a América do Sul.
“Não queremos mais importar soja de áreas como o Brasil, que derruba a floresta tropical para cultivar o grão. É por isso que pedimos uma legislação vinculativa da União Europeia para cadeias de abastecimento livres de violações de direitos humanos, desmatamento e outros crimes ambientais”, frisa o político verde. “E é importante reduzirmos a nossa dependência das importações de ração, por exemplo, cultivando alternativas de forragem na Europa.”
Soja ilegal em comedouros alemães
Atualmente, apenas 5% dos agricultores europeus obtêm soja de fontes locais, como Wilhelm Eckei. A importação de soja em grão do Brasil, por outro lado, bate recordes a cada ano. E 2 milhões de toneladas de soja, ou seja, um quinto das importações para a UE, são cultivadas anualmente em áreas desmatadas ilegalmente.
Após sua visita ao Brasil, Hofreiter escreveu um livro sobre a “fábricas de carne Alemanha”, ou seja, como a pecuária industrial está destruindo os meios de subsistência humana em outras partes do planeta. As imagens da América do Sul não saem de sua cabeça: produtos agrícolas de áreas desmatadas da Amazônia devem, em sua opinião, ter sua importação proibida o mais rápido possível.
Compromisso voluntário falhou?
A organização ambientalista alemã Deutsche Umwelthilfe reclama que nenhuma rede de supermercados na Alemanha rastreie a soja usada na cadeia de abastecimento até a região de cultivo. Por isso, exige uma lei mais rígida de controle da cadeia de abastecimento e uma lei da UE contra importação de produtos do desmatamento. Mas a ministra alemã da Agricultura, Julia Klöckner, prefere confiar em compromissos voluntários.
“Se as políticas da Alemanha e da União Europeia continuarem assim, a destruição das florestas tropicais continuará aumentando. A Europa é o maior mercado de soja do mundo. Portanto, se mudarmos nossa política, ao menos teremos a chance de pressionar o presidente Bolsonaro”, afirma Hofreiter.
Quando em 1989 Wilhelm Eckei se concentrava na agricultura orgânica, no Brasil Mato Grosso ainda era uma região de difícil acesso e não lucrativa economicamente. Hoje, o estado é o maior produtor de soja, o “ouro verde” do Brasil, e seu motor econômico. O preço é o desaparecimento da floresta em velocidade recorde.
Os latifundiários, “reis da soja”, mal podem esperar o próximo ano. Batalhões de trabalhadores já começam a preparar o terreno, em outubro as plantas começarão a crescer. 136 milhões de toneladas do grão devem ser colhidas no Brasil em 2022, prevê a Conab: três vezes mais que a safra de grãos em toda a Alemanha.
Ao longo da rodovia BR-163, em Mato Grosso, veem-se quilômetros de plantações, que chegam até mesmo às áreas urbanas. As edificações mais altas são os enormes silos de soja. Ao mesmo tempo, há um muro do silêncio: o representante da associação de produtores de soja Aprosoja não quer dar entrevista à DW. Os responsáveis reagem cada vez mais incomodados com a denúncia de destruição ambiental. Não é à toa, pois precisam de uma explicação: segundo as estatísticas, 88% dos desmatamentos são ilegais.
Pequenos agricultores sem chance
Muitos estão se beneficiando do boom da soja em Mato Grosso, produtores como Marciano Manoel da Silva são minoria. Ele tenta promover a agricultura ecológica, cultivando hortaliças na pequena cidade de Cláudia sem o uso de agrotóxicos. Mas está completamente desiludido: “Tínhamos esperança de poder produzir de forma saudável e sustentável, principalmente aqui na Amazônia.”
A pressão sobre ele e seus colegas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) cresce. É como a luta entre Davi e Golias: “Somos constantemente pressionados pela agroindústria, muitas vezes com falsas promessas de alugar uma fazenda e por fim acabar produzindo soja como todo mundo.” A fome pelo “ouro verde” é enorme, principalmente na China, para onde vai quase metade da soja.
Marciano Manoel da Silva não pode esperar apoio do governo brasileiro, que é chefiado por um homem que se empenha para eliminar as barreiras burocráticas ao cultivo de soja em larga escala, que protege os produtores em detrimento dos ambientalistas, e gasta grandes somas na infraestrutura de Mato Grosso, como o asfaltamento da BR-163: o presidente Jair Bolsonaro.
A cruzada antiambientalista de Bolsonaro
“Bolsonaro é um inimigo da proteção ambiental, ele trava uma guerra contra a natureza, os povos indígenas, os ambientalistas e a ciência. Ele também está intimamente ligado aos que desmatam a floresta. Sob Bolsonaro, não há o menor desejo de sustar a exploração excessiva da natureza. Quem ainda tem esperança de que Bolsonaro se transforme em ambientalista diante da pressão internacional, está redondamente enganado”, diz o cientista Carlos Rittl.
Ele adotou como missão a proteção do meio ambiente de seu país: durante anos trabalhou para organizações não governamentais como Greenpeace e WWF e também para o Observatório do Clima no Brasil. Há um ano, em meio à pandemia, Rittl veio para a Alemanha e desde então atua como pesquisador no Instituto de Pesquisa de Sustentabilidade Transformativa em Potsdam, um memorial para mais sustentabilidade no mundo.
Acordo UE-Mercosul empacado
Na Alemanha, Rittl e outros cientistas apresentaram um estudo muito aclamado: Como melhorar o acordo sobre questões ambientais que vem sendo negociado há 20 anos e que desde junho de 2019 é, em princípio, um acerto político? Trata-se do acordo comercialentre a União Europeia e os países do Mercosul, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, que só entrará em vigor quando todos os 27 países da União Europeia o ratificarem.
Rittl enviou a todos os políticos da UE e do Parlamento Europeu propostas concretas para o comércio conjunto sem destruir a floresta tropical. O especialista ambiental afirma: “Bolsonaro é o maior obstáculo para a ratificação do documento, nem mesmo a recessão econômica pode compensar isso. Hoje, a proposta para o Brasil seria de 11 mil quilômetros quadrados de floresta desmatada por ano em troca de um acordo para a exportação de produtos sem impostos ou taxas para a UE.”
De olho no Brasil em 2022
Cada vez mais vozes na União Europeia são contra um acordo de livre-comércio. Após a eleição geral na Alemanha, em 26 de setembro, e uma possível participação dos verdes no novo governo, o acordo teria mais um obstáculo. Até agora, a França o vem bloqueando para proteger a agricultura doméstica, enquanto Espanha, Portugal e Suécia pressionam pela ratificação.
E 2022 pode ser um ano decisivo para o acordo de livre-comércio entre UE e Mercosul. Até lá, ele deve ter passado todas as instâncias nos 27 países do bloco. Além disso, haverá eleições no Brasil, com Bolsonaro se candidatando novamente. Tanto na votação da Alemanha quanto na do Brasil, Carlos Rittl, está na torcida: “A agenda de Bolsonaro prevê destruir para plantar soja ou criar pastagens para gado e no final ganhar dinheiro. Isso tem que acabar no século 21.”