16/11/2021 - 17:03
Em linha com o pensamento de muitos de seus pares e de executivos do mercado financeiro, o economista José Alexandre Scheinkman, de 73 anos, está apreensivo com a situação das contas públicas do País. Nesta entrevista, ele diz que, com as propostas de furo no teto de gastos e de parcelamento dos precatórios, ficou claro que o governo fará o que for preciso para tentar manter o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. “O objetivo da política fiscal hoje é reeleger o Bolsonaro.” Sheinkman fala também que a esperada expansão da economia global em 2022 vai depender da solução de uma série de distorções criadas pela pandemia e das decisões do Fed (Federal Reserve, banco central americano) em relação aos juros. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
As previsões para a economia global indicam uma forte retomada no ano que vem. O efeito da pandemia já passou?
Não, não passou. Há varias coisas que estão atrapalhando a retomada. As cadeias globais de suprimentos ainda têm muitos problemas. Algumas coisas que não foram produzidas no momento mais agudo da pandemia, em razão da queda da demanda, agora, com a volta do consumo, estão em falta. Outras foram produzidas, mas não transportadas, porque está faltando contêiner. Todas essas consequências da pandemia, que não são as piores, vamos deixar isso claro, não serão resolvidas amanhã. Serão resolvidas aos poucos. Além disso, a gente não sabe o que pode acontecer em termos de novas cepas do vírus. Então, não é vida normal, como a gente tinha antes da pandemia.
O sr. está mais cauteloso, então, do que boa parte dos economistas em relação ao crescimento da economia mundial em 2022? É isso?
Não diria que estou mais cauteloso. Não estou dizendo que (a retomada) não vai acontecer, mas há tantas variáveis envolvidas que é difícil prever qual será o desempenho da economia. Muitas coisas ainda podem mudar. Vai depender da solução de alguns desses problemas de que falamos há pouco e muito das decisões do Fed sobre as taxas de juros. Há também muita preocupação com a China. Se essa preocupação é por causa da política ou por causa do crescimento econômico, é difícil de decompor. Outro problema sério que estamos tendo é o climático, que afeta a produção de commodities agrícolas. No Brasil, por exemplo, houve uma quebra de safra neste ano (de produtos como milho, trigo, cana-de-açúcar). Isso pode ser só um problema local, mas para o futuro a gente tem de esperar mais situações anormais. Vamos ter mais secas, mais chuvas, mais furacões. Agora, com a aprovação do pacote de infraestrutura do governo Biden, de US$ 1 trilhão, certamente haverá uma melhora na perspectiva de crescimento em 2022.
No Brasil, muitos economistas estão traçando um quadro preocupante para a economia no ano que vem. Qual a sua percepção sobre a economia brasileira? O cenário é tão ruim quanto se diz por aí?
As pessoas estão pessimistas. A situação fiscal está muito complicada. Está claro que hoje o objetivo da política fiscal é reeleger o Bolsonaro. Parece que vão fazer o que for preciso para isso. O último episódio foi essa história do furo do teto e do parcelamento dos precatórios. A preocupação com a renda dos mais pobres neste momento é justificável, mas serviu para passar junto um monte de medidas de interesse do governo e do Centrão.
Como a eleição de 2022 , deverá afetar esse quadro, que já é bem complicado?
A eleição é mais um fator de complicação. Por um lado, ela traz esperança de que, a partir de 2023, a situação possa melhorar. Por outro, traz incertezas. O Congresso e o governo estão fazendo o que podem para destruir o equilíbrio fiscal. Você não sabe o que eles vão fazer daqui a seis meses. A verdade é que qualquer um que chegar ao poder em 2023 terá de lidar com tudo isso. É preciso levar em conta também que, de certa forma, o Congresso, a Câmara em particular, criou uma nova tecnologia para se apropriar do dinheiro público, com essas emendas do relator, e a gente sabe que uma inovação tecnológica, para o bem ou para o mal, costuma vir para ficar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.