23/11/2021 - 8:17
Os contrabandistas prometeram a Fentahun Derebe uma passagem para a Arábia Saudita, onde o jovem etíope poderia ganhar mais dinheiro do que jamais sonhou e voltar para casa para abrir um negócio.
Ao chegar à costa da Somália, porém, os contrabandistas pediram mais dinheiro e abandonaram-no à própria sorte, quando não tinha mais condições de pagar.
Sozinho e sem qualquer recurso, Fentahun, de 19 anos, não teve opção a não ser refazer o caminho percorrido por centenas de quilômetros no deserto.
“As pessoas me diziam que eu ia conseguir um bom trabalho e mudaria minha vida. Me disseram que seria fácil. Mas não foi assim, de modo algum”, relata este jovem em Hargeisa, um importante centro de passagem desta rota migratória, onde muitos ficam presos.
Longe dos focos do Mediterrâneo e da crise migratória na fronteira oriental da União Europeia (UE), outra movimentada rota de migração clandestina começa a ser retomada.
Fentahun é um dos milhares de imigrantes que tentam deixar a África, não com destino à Europa, e sim à Península Arábica.
A chamada “Rota Oriental” é perigosa e, às vezes, mortal para os migrantes, que atravessam desertos, mares agitados e zonas de conflito em sua busca por oportunidades econômicas e por um futuro.
A viagem leva estes imigrantes – etíopes em sua maioria, mas também somalis – do Chifre da África, através do Golfo de Áden, até o Iêmen, país mergulhado em uma guerra civil.
De lá, cruzam um enorme território hostil com a esperança de chegar à Arábia Saudita e a outros países do Golfo, onde possam encontrar trabalho.
– A promessa do Oriente
Muitos – a maioria, na verdade – não conseguem.
Dezenas de milhares de migrantes ficam presos no Iêmen, sem terem condições de pagar uma viagem de volta, retidos por traficantes de pessoas, ou pelas autoridades locais. Alguns encontram a morte.
Em março deste ano, um incêndio em um centro de detenção lotado na capital do Iêmen, Sanaa, matou dezenas de pessoas. Neste mesmo mês, cerca de 20 se afogaram quando foram jogados ao mar pelos traficantes, temendo a sobrecarga na embarcação.
Muitos sequer conseguem sair da África, enganados antes mesmo de embarcar.
A Rota Oriental conta com dois portos de partida para o Iêmen. Um é em Obock, no Djibuti, mas o mais comum é em Bosaso, no norte da Somália.
Autoridades do Djibuti patrulham sua costa e rastreiam a imigração em condições ilegais, mas o governo é mais fraco na Somália, o que leva muitos a optarem por Bosaso.
Ao mesmo tempo, esta é a opção mais longa e perigosa, atravessando partes áridas, isoladas e sem lei da Somália, com temperaturas extremamente altas durante o dia.
No decorrer do longo mês de travessia entre Bosaso e Hargeisa, Fentahun diz ter cruzado com muitos companheiros em perigo. Alguns haviam sido roubados, ou sofrido abusos físicos. E todos precisando, desesperadamente, de água e comida.
Farhan Omer, funcionário de um centro de apoio da Organização Internacional para Migração (IOM) em Hargeisa, afirma que muitos são adolescentes, que fazem sozinhos essa travessia.
“Alguns não têm sapatos”, descreve.
O movimento nesta rota começa a ser retomado após a desaceleração de 2020, quando as fronteiras foram fechadas pela pandemia da covid-19.
Em 2018 e 2019, foi a rota de migração mais ativa do mundo. Mais de 138.000 migrantes cruzaram o mar rumo ao Iêmen em 2019, contra 110.000 na região do Mediterrâneo.
A área não recebeu, porém, o mesmo financiamento, nem atenção, dedicados às crises migratórias na Europa e na América do Norte, ressaltou o chefe da missão da OIM para a Somália, Richard Danziger, em entrevista à AFP.