16/12/2021 - 13:33
Com cinco anos, Jimmy se agarra, chorando, à saia de sua avó. Ele não quer entrar no ônibus, deixar sua família ameríndia e ir embora desta floresta do Canadá onde mora com sua comunidade.
Mas um policial empurra a idosa e o agarra. Pouco depois, está em um ônibus com outras crianças indígenas. A viagem começa em meio a gritos e soluços. Estamos em 1969, e sua vida acaba de virar de cabeça para baixo.
No final da rota, a muitos quilômetros de sua casa, está o “internato indígena” de Saint-Marc-de-Figuery, em Québec, 600 km ao norte de Montreal. Jimmy Papatie ficará ali até o encerramento da instituição em 1973.
Em poucas horas, tudo muda para essas crianças aborígenes arrancadas de suas famílias por ordem do governo canadense: seus cabelos, tradicionalmente longos, são cortados. No banho, são esfregados com uma escova dura: são os “índios sujos”.
Devem retirar seus mocassins e suas jaquetas de pele de alce, roupas típicas dos Algonquins, para vestir um uniforme. Falam em francês com eles, um idioma que desconhecem, porque sua língua materna está proibida.
No fim deste dia longo, devem se despedir de seus nomes. Daqui em diante, serão apenas um número.
“Não sabíamos onde estávamos. Não sabíamos o que ia acontecer. Em poucas horas, ocorre um desenraizamento total: linguístico, cultural, espiritual”, lembra Papatie, hoje com 57 anos, em um restaurante próximo ao local onde era o internato, agora destruído.
Com cabelos castanhos curtos e tatuagens no braço, este ex-chefe de sua comunidade hoje quer falar abertamente sobre aquela época “terrível”.
Até os anos 1980, esses internatos, que surgiram no século XIX, foram um dos pilares da política de assimilação dos ameríndios. Hoje, esta comunidade corresponde a 5% da população.
Considerada depois um “genocídio cultural”, esta página sombria da história canadense foi revelada após a descoberta, nos últimos meses, de mais de mil túmulos anônimos perto dos antigos internatos. Estas descobertas abalaram o país.
No total, quase 150.000 crianças inuit, mestiças, ou membros das Nações Originárias (Denes, Mohawk, Ojibway, Cris, Algonquins…), foram enviadas e distribuídos pelos 139 estabelecimentos administrados por igrejas no país.
A cada início de ano letivo, os agentes de assuntos indígenas, acompanhado de policiais, visitavam as comunidades indígenas – em sua maioria nômades – para levar os pequenos. Desde 1920 e após uma modificação da lei sobre os indígenas, o consentimento dos pais deixou de ser necessário.
O objetivo das instituições era educar, evangelizar e assimilar.
As crianças eram, no entanto, frequentemente maltratados, até mesmo vítimas de abusos. Milhares deles nunca voltaram para casa e morreram de desnutrição e doenças, ou por não resistirem aos maus-tratos.
– Um número –
“No internato, eu não tinha nome, era o número 70”. Fred Kistabish, de 77 anos, óculos escuros e camisa de lenhador, retorna com frequência ao local onde ficava o internato de Saint-Marc-de-Figuery. Ele viveu nesta instituição por dez anos.
Hoje, restam apenas algumas pedras tomadas pela vegetação. Foi erguido um pequeno memorial com fotos em preto e branco dos alunos. E dezenas de pequenos sapatos foram depositados em frente, como símbolo das crianças maltratadas nessas instituições e que nunca voltaram para suas famílias.
“Aqui foi onde me transformei em outra pessoa”, continua, enquanto avança com sua bengala sobre lugares que pouco a pouco são cobertos pela neve neste início de inverno. “Mas não conseguiram me mudar totalmente”, garante.
O “mais difícil”, segundo este ex-chefe da reserva de Pikogan, localizada a poucos quilômetros do internato, era ver suas irmãs sem estar autorizado a falar com elas. “Quando elas me viam no refeitório, choravam (…) isso foi difícil”.
O isolamento também foi insuportável para Alice Mowatt, que esteve no mesmo internato entre os 6 e 13 anos.
Alguns anos depois, ela anotou em pequenos cadernos os momentos que mais marcaram sua infância no internato, “para não esquecer” e “para me libertar”, conta.
Nas primeiras páginas, o impacto da chegada é descrito com precisão: “Não me lembro do caminho para o internato, suponho que estava seguindo minhas irmãs. Mas, ao chegar, nos dividiram de acordo com a faixa etária e ali me dei conta de que agora estava sozinha”.
“Naquele momento, tinha seis anos e não sabia nenhuma palavra em francês. Foram os momentos mais difíceis da minha vida”, conta esta ex-bibliotecária de 73 anos, de longos cabelos grisalhos.
Ao redor dela, em sua cozinha, cada objeto, cada utensílio leva uma pequena etiqueta com seu nome em anishinabe, sua língua materna. “É para meus netos, para que saibam algumas palavras da nossa língua”.
No internato, muitos esqueceram sua língua. Algumas crianças ficaram mudas por meses. Falar qualquer idioma que não fosse francês, ou inglês, era se arriscar a um castigo certo.
Agressões com réguas, cintos, dias trancados em um armário, sabão na boca…
“Porque estava falando quando era proibido, porque não parou rápido o suficiente, porque não levantou da cama a tempo… havia 50 milhões de desculpas para nos agredirem”, recorda Dawn Hill, de 72 anos.
Esta ex-governanta, de cabelos brancos e óculos retangulares, que passou pelo internato de Bratford, ao sul de Toronto, perde o olhar no horizonte quando se lembra deste período.
“Era um mundo implacável. Você nunca se sentia seguro”, desabafa.
Longe de qualquer área habitada, no final de uma longa estrada, este internato, dirigido pela igreja anglicana e que foi um dos primeiros do país, tornou-se há pouco tempo alvo de investigações para tentar encontrar túmulos de crianças.
– Mil túmulos –
Mais de mil túmulos anônimos foram encontrados desde maio, nos locais onde internatos funcionaram. Muitas investigações estão em andamento em todo país, porque, de acordo com as autoridades, entre 4.000 e 6.000 estudantes desapareceram.
Milhares de sobreviventes ofereceram seus depoimentos assombrosos sobre essas instituições, que tinham como objetivo “matar o índio no coração do menino”, a uma comissão da verdade e da reconciliação lançada em 2008. Entre eles, está Alice Mowatt, que contou pela primeira vez as agressões sexuais sofridas.
Após sete anos de investigação e de milhares de entrevistas, esta comissão colocou a lupa sobre um período desconhecido para a maioria dos canadenses, chegando à conclusão de que ocorreu um “genocídio cultural”.
“Pode ser difícil de aceitar que o que nos contaram tenha acontecido em um país como o Canadá, que se orgulha de ser um bastião da democracia, da paz e da gentileza em todo mundo”, descreve o relatório da comissão, um documento de mais de 500 páginas.
“As crianças sofreram abusos, físicos e sexuais, e morreram nessas escolas em proporções que nunca teriam sido aceitas em nenhum sistema escolar do país, ou do planeta”, denuncia o texto.
Pouco a pouco, o país retirou o espesso véu que foi colocado sobre este período. Em 2008, o então primeiro-ministro conservador Stephen Harper apresentou suas desculpas, e seu sucessor Justin Trudeau fez o mesmo em 2015.
Recentemente, foi a Igreja Católica que admitiu sua responsabilidade nos sofrimentos impostos aos membros das Nações Originárias. Em 2022, uma delegação de indígenas irá pela primeira vez ao Vaticano, antes de uma viagem do papa ao Canadá prevista para o mesmo ano.
“Quero que o papa venha e se desculpe conosco, com os sobreviventes dos internatos. Levará um dia ou dois para nos reunirmos, mas temos que tomar esse tempo e depois já poderemos virar a página”, opina Oscar Kistabish, de 75 anos e que passou por Saint-Marc-de-Figuery.
Este homem, que não tem vínculos com Fred Kistabish, descreve-se como um “sobrevivente”.
“Roubaram a minha juventude”, diz o homem de ombros largos e longos cabelos castanhos.
Ele conta que passou os primeiros meses constantemente doente “pela alimentação, que mudou de uma só vez”, mas também pelo medo. Ele recorda os poucos “momentos de diversão”, graças à descoberta do hóquei no internato.
“Aprendi a não ter mais emoções”, relata com amargura, explicando que, depois disso – assim como muitos outros – tentou se autodestruir pouco a pouco, principalmente com o álcool.
Os internatos, todo sistema, “criaram verdadeiros traumas nas populações indígenas, transmitidos de geração em geração”, explica Marie-Pierre Bousquet, antropóloga da Universidade de Montreal.
“Ninguém falava sobre o que faziam conosco, mas todo mundo sabia o que significava quando o padre vinha te buscar de noite em sua cama”, confessa Jimmy Papatie, que levou 45 anos para conseguir falar dos estupros que sofreu.
No total, mais de 38.000 acusações de agressões sexuais e físicas graves foram identificadas pela comissão. E menos de 50 declarações de culpa foram pronunciadas pela Justiça canadense.
Mencionando os “fantasmas” que o acompanharam por anos, Papatie narra uma vida de recaídas: álcool, vício em drogas, tentativas de suicídio, violência…
“Precisei levar mais de 50 anos e fazer várias terapias para ser capaz de dormir no escuro, de ficar nu diante de uma mulher, de conseguir ter um momento de intimidade com alguém”, conta.
“Hoje não me escondo mais. Mas também sei que isso não me isenta do dano que causei aos outros”, confessa, admitindo ter cometido agressões sexuais.
“Nós éramos apenas crianças…”, revolta-se Dawn Hill, indignada contra aqueles que ainda não foram investigados.
– “Qual é a nossa história?” –
Com a recente descoberta dos túmulos anônimos de crianças, o Canadá parece descobrir seu passado. Agora, a palavra “reconciliação” está na boca de todos. Um movimento que já foi visto em outros lugares do mundo, como na Escandinávia.
Recentemente, também foram estabelecidas Comissões da Verdade na Noruega, na Finlândia e na Suécia sobre as perseguições sofridas pelo povo Sami.
Além disso, em muitos países, um movimento de fundo, defendido principalmente pelas gerações mais jovens, pede para que se abra os olhos sobre os erros do passado para incluir a diversidade atual da melhor forma possível.
“Essa não é a imagem que os canadenses tinham de seu país. Hoje em dia, se perguntam: ‘Mas, então, nosso país foi fundado sobre o quê? Qual é nossa história nacional?'”, afirma Marie-Pierre Bousquet, que menciona que a sociedade sofreu um “choque”.
“Até agora, viam-se como uma grande democracia multicultural, com um passado glorioso, de grandes espaços, e não como um país construído sobre um genocídio”, destaca.
A descoberta dos túmulos representou uma virada importante, explicam pesquisadores.
“É como se, com essa prova, tudo tenha-se tornado concreto, real”, acrescenta a diretora de um programa de estudos indígenas.
Mas “ainda resta muito trabalho a ser feito para chegar a uma verdadeira compreensão deste episódio da história e de suas consequências no tempo”, estima Sébastien Brodeur-Girard, professor na Escola de Estudos Autóctones da Universidade de Québec.
No final de setembro, no primeiro dia nacional de homenagem às vítimas indígenas, o primeiro-ministro Justin Trudeau confessou: “Não haverá verdade nem reconciliação enquanto este país não compreender que a história das comunidades indígenas é a história de todos nós”.
Ainda hoje, muitos indígenas vivem na miséria, e o racismo persiste, de acordo com especialistas e relatórios.
As Nações Originárias obtiveram recentemente o direito ao voto no Canadá, em 1960. Em algumas províncias, como Québec, tiveram de esperar até 1969.
Em 2020, a ONU denunciou “a grande gama de violências sofridas pelos povos indígenas”, como problemas de acesso à água potável, discriminação de crianças que vivem nas comunidades e excesso de indígenas nas prisões.
“O governo e a igreja pensam que dizer ‘me desculpe’ é suficiente”, diz Papatie.
“Mas, se tudo isso fosse sincero, colocariam dinheiro sobre a mesa para consertar. Eu sei o quanto custa reconstruir um indivíduo e, agora, todo um povo…”.