Sete empresas estaduais de saneamento correm alto risco de perder seus contratos com municípios onde operam, o que irá obrigar prefeituras a procurarem outras alternativas para o atendimento de serviços de água e esgoto. O cenário abre caminho para a atuação de empresas privadas, um dos objetivos do marco legal do saneamento.

As estatais ou autarquias dos Estados de Acre, Amazonas, Maranhão, Pará, Piauí, Roraima e Tocantins não comprovaram ter capacidade de investir para universalizar os serviços nas regiões atendidas conforme cobra a nova lei, em vigor desde julho de 2020.

Todas as companhias ficam nas regiões Norte e Nordeste, onde estão concentrados os piores índices de saneamento do País. Atualmente, apenas 55% da população brasileira é coberta com rede de esgoto e 84,1% com abastecimento de água por rede. A maioria das prestadoras de serviços são estatais controladas pelos governos estaduais.

Pelo marco legal, empresas do setor precisam atender 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033.

A exigência da comprovação de capacidade foi colocada no marco legal justamente para rechaçar prestadoras que não têm condições de investir. Sem a regra, populações poderiam permanecer por anos com um atendimento ineficaz.

Dentro do governo federal, o potencial cancelamento desses contratos é visto como uma oportunidade para blocos de municípios buscarem conceder seus serviços a empresas privadas. Desde que o marco foi aprovado, leilões de saneamento já conseguiram contratar mais de R$ 40 bilhões em investimentos.

Solução

A preocupação de que esses municípios não fiquem desatendidos, por sua vez, também está no radar. Segundo técnicos consultados pela reportagem, essas estatais deverão continuar o atendimento até que uma nova operadora de saneamento seja contratada.

Sócio da GO Associados e ex-presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Gesner Oliveira disse que a definição trazida pela regra da capacidade econômico-financeira é importante para a população, pois impede que uma empresa sem condições de investir continue atuando. “É o que aconteceu durante décadas”, afirmou Oliveira, lembrando que a universalização dos serviços é algo “urgente”. “Se a empresa não tem condições, vai abrir espaço para uma solução, que pode ser uma privatização ou a concessão dos serviços.”

As empresas tinham até o último dia 31 para apresentar o requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira e, segundo o governo federal, os contratos de programa – fechados sem licitação – dos prestadores que não cumpriram o prazo “já são considerados irregulares”.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), nestes casos, cabe aos municípios, organizados na forma de blocos regionais, avaliar alternativas e providências. “Tais como a estruturação de parcerias com o setor privado, para garantir os investimentos necessários e a continuidade dos serviços.”

No prazo

Lista publicada pela Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) nesta semana mostrou que 15 companhias estaduais de saneamento apresentaram no prazo a documentação para comprovar capacidade. A entrega da documentação não significa que as companhias poderão manter seus serviços, já que a comprovação precisa ser aprovada pela agência reguladora responsável, o que deve acontecer até março.

Companhias buscam ajuste

Empresas estaduais cujos contratos se tornaram irregulares por descumprir o novo marco legal do saneamento afirmam que buscam adequar suas estruturas à nova lei, mas admitiram não ter cumprido a exigência de apresentar a comprovação de suas capacidades econômico-financeiras.

O reconhecimento foi feito pela Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema) e pela Empresa de Águas e Esgotos do Piauí (Agespisa). Já a Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (Caer) alegou que não estava sujeita a essa regra, do que o governo federal discorda. A Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama) afirmou que providencia a documentação, e o Departamento Estadual de Água e Saneamento do Acre (Depasa) informou que está em contato com o governo federal para buscar alternativas para os serviços.

Acre, Pará e Tocantins não responderam à reportagem. Como mostrou o Estadão/Broadcast, essas empresas devem perder seus contratos com municípios onde operam, o que obrigará prefeituras a procurar outras alternativas.

O Estado do Maranhão afirmou que “os complexos procedimentos e os prazos curtos exigidos” pelo decreto que regulamentou os procedimentos de capacidade econômico-financeira “ainda não permitiram o pleno atendimento a este requisito”. “Vale ressaltar que o decreto citado está sendo objeto de contestação judicial no âmbito do STF”, afirmou o governo local[A CAEMA], segundo quem a Caema atende a população maranhense em mais de 140 municípios e[A CAEMA] está realizando estudos visando à adequação ao novo marco[/A CAEMA]. A ação no Supremo Tribunal Federal (STF) mencionada pelo Estado já teve liminar (decisão provisória) negada pelo ministro Luís Roberto Barroso.

Já a Agespisa, do Piauí, alegou que, por uma questão de natureza contábil, e não por “deficiência técnica”, não pôde atender à exigência. A estatal disse também que segue prestando os serviços no Piauí e fazendo “todo o esforço necessário para que os piauienses continuem sendo atendidos na sua necessidade básica de ter água em suas torneiras e a coleta regular de esgotos até que uma solução definitiva seja encontrada”.

Já o Acre não pôde comprovar a capacidade porque não conseguiu regionalizar os serviços de saneamento em um bloco com os 22 municípios.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.