01/03/2022 - 17:02
Foram dois dias de viagem de trem e ônibus, com idosos e crianças a bordo, para um grupo de jogadores brasileiros driblar a guerra na Ucrânia. Eles voltaram para casa aliviados nesta terça-feira, mas com angústia e dor por aqueles que deixaram para trás.
“Acredito que tudo aquilo que vimos na estrada, pessoas morrendo, pessoas que não tinham nada haver com a situação. Tinha uma filha de quatro meses que estava comigo e só queria que ela ficasse bem. Imagens de terror, cidades destruídas, isso é o que fica na cabeça”, disse Pedrinho.
Com passagem pelo Corinthians e Benfica de Portugal, o atacante de 23 anos foi um dos jogadores brasileiros do Shakhtar Donetsk ucraniano que desembarcaram nesta terça no aeroporto internacional de São Paulo, após uma peregrinação por Ucrânia, Moldávia e Romênia.
“O que mais quero é estar com a minha família, com meus pais. Todas as vezes que eu falava com eles, eu sempre me despedia, pois não sabia se seria a última vez”, lembrou o jogador. “Então quero chegar em casa, ficar com a minha filha. Foram cenas lamentáveis e desejo que ninguém passe por isso”, desabafou ele.
– O começo do “pesadelo” –
Participante assíduo da Liga dos Campeões da Europa, o Shakhtar Donetsk construiu sua história recente de sucesso (13 vezes campeão ucraniano nos últimos 20 anos) com jogadores brasileiros.
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia na última quinta-feira, havia 13 brasileiros em seu elenco, incluindo o naturalizado ucraniano Junior Moraes. Junto com seus familiares e Vitinho e o uruguaio Carlos de Pena, ambos do Dínamo de Kiev, se refugiaram em um hotel da capital, de onde pediram ajuda ao governo brasileiro para deixar o país.
Antes do início da guerra, havia cerca de 500 brasileiros na Ucrânia. Agora restam cerca de cem, de acordo com registros da embaixada em Kiev.
“Tudo explodiu de um dia para o outro. Na quinta-feira de manhã, quando estávamos em casa, começamos a ouvir o barulho das bombas, dos aviões, daí começou o pesadelo”, disse De Pena, de 29 anos e que estava esperando em São Paulo seu vôo para rever seus parentes em Montevidéu.
No hotel da capital, cujos banheiros serviam de esconderijo para De Pena chorar ao receber uma mensagem emocionada de um familiar ou amigo, eles se abrigaram até domingo.
“Não era tão fácil coordenar um translado porque havia muita gente desesperada, muita gente fugindo, tropas russas se aproximando da capital. A partir daí, tivemos sensações de todo tipo, de medo, de tristeza, de pensar que talvez não voltaríamos. Agora é só agradecer por cada mensagem, por cada pessoa que se colocou à disposição”, destacou o uruguaio.
Ele ficou no hotel com alguns adversários no futebol, como Marlon Santos, de 26 anos.
“Você escuta os caças sobrevoando, barulho de bombas. Começou a faltar alimento. Era difícil manter a calma”, afirmou o zagueiro, que chegou ao Rio de Janeiro.
– Futuro incerto –
Três dias depois de se trancarem no hotel, no domingo, os jogadores e suas famílias pegaram um trem com a ajuda da Uefa depois de terem sido alertados de que as coisas iam “piorar muito”, contou Pedrinho.
Foram 17 horas de transporte ferroviário e 15 de ônibus para chegar à Romênia, ponto de partida de diferentes rotas para o Brasil.
“A saída é muito escura. A gente não sabe o que pode acontecer no meio do caminho. A gente ia viajar na madrugada que é quando tem mais conflitos”, lembrou Maycon, do Shakhtar, que viajou na companhia de seus pais, esposa e dois filhos.
“Só pedia calma para que meus filhos não sentissem o que eu estava sentindo”, disse desconsolada sua esposa, Lyarah Vojnovic Barberan.
Cansados depois de uma longa e tensa viagem, os jogadores se reuniram com seus familiares e partiram rumo a diversas cidades brasileiras.
Sem pistas sobre seu futuro, devido à suspensão do campeonato ucraniano, sua atenção estava voltada para os companheiros que ficaram na zona de guerra.
“A Ucrânia está sofrendo muito e fico realmente muito triste por isso”, disse Maycon, de 24 anos. Temos grandes amigos por lá, sentimos muito por eles e torço para que tudo se resolva”.