02/03/2022 - 13:03
A guerra da Rússia contra a Ucrânia já dura uma semana, mas suas consequências já estão repercutindo em todo o mundo: alterou as relações internacionais, deixou Moscou isolada, uniu o Ocidente e levantou o espectro de um confronto nuclear.
– Rússia, um Estado ‘pária’ –
A ofensiva de Moscou marca um ponto de virada para o mundo inteiro. O ataque da Rússia ao território ucraniano destruiu “a esperança de que a Europa pós-Guerra Fria fosse poupada de uma guerra terrestre em grande escala”, opina Ali Wyne, analista da consultoria Eurasia Group.
A Europa, os Estados Unidos e o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, uniram forças para denunciar o ataque da Rússia ao seu vizinho como uma violação flagrante da ordem internacional baseada em regras estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial.
O castigo foi rápido e doloroso. As potências ocidentais desencadearam uma série de sanções sem precedentes contra Moscou. Desde paralisar o sistema financeiro russo, impor sanções a seus oligarcas e ao próprio presidente Vladimir Putin, até proibir a Rússia de usar o espaço aéreo europeu e sua participação em grandes competições esportivas.
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“No futuro, a Rússia será um pária e é difícil ver como restaurarão algo parecido com interações normais no sistema internacional”, diz Sarah Kreps, professora da Universidade de Cornell.
Em 2019, o presidente francês, Emmanuel Macron, declarou que a OTAN estava passando por “morte cerebral”, dividida por divergências entre os membros e menosprezada pelo ex-presidente republicano dos EUA, Donald Trump (2017-2021).
Quando o democrata Joe Biden foi eleito para a Casa Branca, procurou dar nova vida à Aliança Atlântica, esperando confiar na OTAN em seu confronto com a China. Isso provocou mais divisões internas, com alguns membros dizendo que confrontar Pequim não fazia parte da missão da organização.
Nascida no início da Guerra Fria com o objetivo de proteger a Europa da ameaça soviética sob o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos, a aliança militar transatlântica agora redescobre seu propósito e seu principal inimigo ao enfrentar Moscou.
“A invasão da Rússia fortaleceu a OTAN, aprofundou o alinhamento transatlântico e, talvez mais notavelmente, forçou a Alemanha a reverter sua posição de longa data de não enviar armas letais para zonas de conflito”, diz Wyne.
“Mas resta saber se uma maior coesão ocidental de curto prazo produzirá uma abordagem compartilhada de longo prazo para lidar com Moscou”, acrescenta.
– Europa rearmando-se –
O diplomata e economista francês Jean Monnet, que desempenhou um papel importante na reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial, assegurou no passado que a Europa renasceria das crises e das suas soluções para essas crises.
Suas palavras soam verdadeiras hoje. Atendendo a um chamado de longa data de Paris para reforçar o poderio militar da Europa, a União Europeia de 27 membros aprovou um total de 500 milhões de euros em ajuda de defesa para a Ucrânia.
Em um movimento radical, Berlim rompeu com sua doutrina ao anunciar que enviaria ajuda militar à Ucrânia. E o chanceler alemão, Olaf Scholz, declarou que seu país, frequentemente criticado pelos Estados Unidos por seu pequeno orçamento de defesa destinado à OTAN, aumentará significativamente os gastos militares para modernizar seu exército.
– Neutralidade posicionada –
“Neutralidade não é indiferença”. O presidente da Suíça, Ignazio Cassis, disse isso quando anunciou que seu país apoiará todas as sanções da UE contra a Rússia, em uma grande ruptura com sua longa tradição de neutralidade e reputação como centro bancário internacional.
E a Finlândia e a Suécia, tradicionalmente não alinhadas com a OTAN, estão se movendo em sua direção.
Japão, Coreia do Sul e Singapura condenaram a invasão da Rússia, embora a Índia e os Emirados Árabes Unidos não o tenham feito.
– A ‘posição incômoda’ da China –
Mas a Rússia tem seus próprios aliados.
Moscou tem o apoio da Venezuela, expresso pelo presidente socialista Nicolás Maduro.
E o presidente chinês, Xi Jinping, ofereceu seu apoio a Putin pouco antes de a Rússia invadir a Ucrânia.
Resta saber até que ponto a China ajudará a Rússia a compensar o efeito das sanções ocidentais.
Pequim continua cautelosa. Optou por se abster, em vez de vetar, uma resolução do Conselho de Segurança da ONU “deplorando” a agressão russa na Ucrânia e expressando “profundo pesar” a Kiev pela guerra.
“A invasão russa colocou a China em uma posição embaraçosa”, considera Wyne, analista do Eurasia Group.
“Quanto mais longo e sangrento o conflito se tornar, mais difícil será para a China equilibrar seu apoio às posições centrais da Rússia (como se opor à expansão da OTAN) e seu desejo de evitar incorrer em mais opróbrio transatlântico”, aponta.
– Armas nucleares não são mais tabu –
Na semana passada, Putin colocou suas forças nucleares estratégicas em alerta máximo, provocando reações furiosas em todo o mundo.
“Os líderes russos fizeram várias referências e não tão veladas ao seu arsenal nuclear na esperança de dissuadir o Ocidente de reforçar as defesas ucranianas”, afirma Kreps, da Universidade Cornell.
“O problema é que sua abordagem de fazê-lo corroeu o tabu nuclear que existe há décadas”, opina.