06/04/2022 - 18:51
Uma irmã do ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega, o “Capitão Adriano”, acusado de chefiar a maior milícia no Rio de Janeiro e de envolvimento no suposto esquema de rachadinha (desvio de salários de assessores) do hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Daniela da Nóbrega afirmou, em áudio, que o Palácio do Planalto ofereceu cargos comissionados em troca da morte do ex-capitão. O trecho da gravação, interceptada pela Polícia Civil fluminense, há dois anos, foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo e confirmado pelo Estadão.
Dois dias após Adriano ser morto a tiros em confronto com PMs na Bahia, em fevereiro de 2020, Daniela da Nóbrega diz a uma mulher, a quem chama de tia, que o ex-capitão já sabia da “ordem para que ele fosse um arquivo morto”. Segundo ela, “já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele”.
“Porque a gente conversou, eu e ele”, diz Daniela no áudio. “E ele falou para mim que não se entregava porque iam matar ele (sic) lá dentro. Ele já estava pensando em se entregar. E quando pegaram ele, tia, ele desistiu da vida. Vou te falar a verdade. Eu vi meu irmão tentando se matar. Eu vi, entendeu? À noite, aqui em casa. Na verdade ele se entregou, entendeu tia? Ele se entregou. Ele não quis ir porque sabia que iam matar. Ele já sabia da ordem que saiu para que ele fosse um arquivo morto. Ele já era um arquivo morto. Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele, já. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia? Ele já sabia disso, já. Foi um complô mesmo”.
O trecho da escuta telefônica foi anexado pela Polícia Civil às investigações da Operação Gárgula, que apura um esquema de lavagem de dinheiro e a fuga de Adriano.
Adriano foi morto na zona rural da cidade de Esplanada (BA), em um sítio de um vereador do PSL. Ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio, ele era considerado chefe do Escritório do Crime um grupo criminoso. Adriano estava foragido desde janeiro de 2019, quando foi alvo de um mandado de prisão. A mãe do ex-oficial da PM do Rio, Raimunda Veras Magalhães, e a ex-mulher Danielle Mendonça foram, durante anos, nomeadas para cargos comissionados no gabinete do então deputado estadual Flavio Bolsonaro na Alerj. Ambas foram denunciadas por suposto envolvimento na “rachadinha”.
Pessoas ligadas ao ‘Capitão Adriano’ foram monitoradas
A Polícia monitorou amigos e familiares durante período autorizado pela Justiça. Em outro trecho das escutas, Tatiana Magalhães da Nóbrega, que também é irmã de Adriano, fala com uma mulher não identificada sobre a morte do irmão e comenta uma entrevista do presidente Jair Bolsonaro sobre o caso.
“E eles todos estavam acusando o Bolsonaro, né? Que o Bolsonaro era miliciano, que o Bolsonaro era não sei o que… Eles estavam tentando empurrar essa pica para o Bolsonaro. Na verdade, o problema é o Bolsonaro, né? Não é nem o meu irmão. Na verdade, a pica é do Bolsonaro. Então, tipo assim, estavam tentando enfiar essa pica no rabo dele de qualquer jeito, que ele era miliciano. Entendeu? Então agora eles vão segurar as consequências, entendeu? Não estão acusando o cara? O cara é presidente, né? Ele foi nos jornais e colocou a cara. Ele falou: ‘Eu estou tomando as devidas providências para que seja feita uma nova perícia no corpo do Adriano’. Porque ele só se dirige a ele como Adriano, capitão Adriano, diz.
Tatiana diz ainda que o ex-governador Wilson Witzel estaria envolvido na morte do irmão.
“Esse safado daqui. Esse Witzel, que disse que se pegasse era para matar. Foi ele”, diz.
No dia 18 de fevereiro de 2020, nove dias após a morte de Adriano, o presidente afirmou que tomou as “providências legais” para que fosse feita uma perícia independente. Bolsonaro defendeu ainda uma “perícia insuspeita” nos celulares apreendidos com Adriano.
“Eu esperava que os governadores, esses que assinaram a carta sobre isso, sobre esse assunto específico, fossem querer uma investigação isenta no caso Adriano. Pelo que tudo indica, a própria revista Veja fez, não estou dizendo agora que estou dando credibilidade à imprensa, a Veja fez a matéria ouvindo peritos. Os peritos alegaram ali que, pelo que tudo indica, os tiros foram à queima-roupa, então foi queima de arquivo. Interessa a quem a queima de arquivo? A mim? A mim, não. Zero”, disse Bolsonaro à época.
Tatiana diz ainda que Adriano não era miliciano, e sim bicheiro. Segundo ela, a acusação é uma tentativa de ligá-lo ao presidente.
“Querem pintar o cara numa coisa que ele não era por causa de coisa política. Porque querem ligar ele ao Bolsonaro. Querem ligar ele a todo custo ao Bolsonaro”, pontuou. “Aí querem botar ele como uma pessoa muito ruim para poderem ligar ao Bolsonaro. Aí já disseram que foi o Bolsonaro quem assassinou. Quando a gente queria cremar diziam que e a família queria cremar rápido porque não era o Adriano. Uma confusão”, completou.
Planalto e Witzel não se manifestam
Procurado, o Palácio do Planalto não se posicionou sobre as gravações. Também procurado pelo Estadão, Witzel não respondeu. Advogados das irmãs de Adriano da Nóbrega não foram localizados.