30/05/2022 - 10:10
Os arqueólogos mergulhadores ajustam suas máscaras e partem de barco para uma enseada em Marselha, no Mediterrâneo. A uma profundidade de 37 metros, chegarão à entrada da gruta Cosquer, um “Lascaux submarino” com desenhos rupestres únicos no mundo e ameaçado de desaparecimento.
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O acesso a esta caverna de mais de 30.000 anos localizada no sul da França é pela entrada original no fundo do mar e depois por um túnel inundado de mais de 100 metros que sobe e termina em uma caverna de 2.500 metros quadrados, em grande parte submersa.
Na caverna, as paredes ainda secas oferecem gravuras e desenhos do Paleolítico Superior, em particular animais marinhos, focas e pinguins, algo único nos grandes sítios da arqueologia pré-histórica. Um “choque estético” que marca uma vida, confessa o arqueólogo Luc Vanrell, de 62 anos, que estuda esta caverna há 30 anos.
Hoje, o local está ameaçado. Após um aumento repentino de 12 centímetros no nível do mar em 2011, as marés altas mais fortes avançam alguns milímetros ano após ano.
É uma corrida contra o tempo para os cientistas franceses, porque o aumento das águas devido ao aquecimento climático associado à poluição marinha prejudica as obras-primas da arte parietal.
Para preservar este patrimônio único, os arqueólogos mergulhadores intensificam as suas explorações para ter, por exemplo, uma representação virtual da gruta.
A poucos quilômetros de distância, no coração de Marselha, técnicos e artistas terminam a construção de uma réplica, que será aberta ao público em 4 de junho.
Neste dia, a missão é dar continuidade ao mapeamento digital 3D das paredes da gruta, no qual foram catalogadas cerca de 600 “entidades gráficas”.
“Nosso sonho seria trazer a gruta à superfície”, diz um dos mergulhadores, Bertrand Chazaly, responsável pelas operações de digitalização, sorrindo.
“Uma vez finalizada, nossa gruta virtual Cosquer, com precisão milimétrica, será uma ferramenta de pesquisa indispensável para conservadores ou arqueólogos que não podem acessar fisicamente o local”, explica.
– “Única por seu tamanho” –
“Na época, estávamos em plena glaciação, o nível do mar estava 135 metros mais baixo e o litoral estava 10 quilômetros mais longe”, diz o arqueólogo Michel Olive, responsável pelo estudo da caverna no Serviço Regional de Arqueologia (DRAC).
Do barco da missão científica, aponta o dedo para uma ampla área atualmente coberta pelo Mar Mediterrâneo. “A entrada da gruta, ligeiramente elevada e exposta ao sul, dava para uma vasta planície relvada protegida pelas falésias, local extremamente favorável ao homem pré-histórico”, acrescenta.
As paredes ornamentadas da gruta testemunham a variedade de animais presentes no local: cavalos, cabras montesas, veados, bisontes e antílopes saiga, além de focas, pinguins, peixes, um felino e um urso. No total são 229 figuras de 13 espécies.
Sessenta e nove pinturas de mãos vermelhas e pretas e três marcas de mãos involuntárias, incluindo as de crianças, também foram catalogadas, além de várias centenas de sinais geométricos e oito representações sexuais masculinas e femininas.
Uma riqueza gráfica que se deve à excepcional duração da frequentação da gruta por homens e mulheres da Pré-história, “entre -33.000 anos e -18.500 anos antes do presente momento” segundo as últimas datações, explica Luc Vanrell, presente nesta expedição.
“A densidade das representações gráficas coloca Cosquer no mesmo patamar das quatro maiores cavernas de arte paleolítica do mundo, com Altamira na Espanha, Lascaux e Chauvet na França”, estima.
“E como é provável que as paredes subaquáticas de hoje também tenham sido originalmente decoradas, isso torna Cosquer um local único na Europa por seu tamanho”, acrescenta.
– Descoberta ao acaso –
Henri Cosquer, mergulhador profissional e instrutor de uma escola de mergulho, diz que descobriu por acaso em 1985 a entrada submarina da caverna, a 15 metros da costa.
Depois, por etapas, aventurou-se ao longo do túnel de 137 metros até chegar a uma cavidade aberta pela água e pelo tempo na massa calcária.
“Um dia eu emergi na gruta na escuridão. Você está encharcado, sai da lama, você escorrega. Eu tive que fazer várias incursões para percorrer todo o caminho. No começo, não vi nada com minha lanterna, e então encontrei a pintura de uma mão. Foi aí que tudo começou”, contou à AFP.
Embora a lei exija que esse tipo de descoberta seja declarada sem demora para que possa ser preservada, Cosquer guardou o segredo por muito tempo.
“Esta gruta não era de ninguém. Quando você encontra um bom lugar para colher cogumelos, você conta para todo mundo?”, justificou.
Mas o boato de um “Lascaux submarino” começou a circular, atraindo mergulhadores.
Henri Cosquer, atualmente com 72 anos, oficializou sua descoberta perante as autoridades em 1991. A gruta, autenticada como sítio arqueológico de grande importância, foi batizada com seu nome.
A sua entrada, fechada com portão, está reservada às equipes científicas.
– “Degradação irreversível” –
Nos trinta anos seguintes, dezenas de missões arqueológicas foram realizadas para estudar e preservar o sítio, bem como para inventariar sua riqueza gráfica.
Os recursos disponíveis eram, no entanto, muito menores do que os da gruta de Chauvet, descoberta em Ardèche (sudeste da França) no final de 1994, e de mais fácil acesso.
Mas em 2011, Michel Olive e Luc Vanrell deram o alarme depois de terem verificado o brutal aumento do nível da água e degradação irreversível em alguns painéis.
“Foi uma catástrofe, um choque que nos derrubou psicologicamente”, diz Vanrell, que se lembra do enorme dano aos desenhos de cavalos.
“Todos os dados mostram que a elevação do nível da água está cada vez mais rápida”, confirma a geóloga Stéphanie Touron, especialista em grutas com pinturas do laboratório francês de pesquisa de monumentos históricos.
A gruta Cosquer também sofre as consequências da contaminação por microplásticos que acelera a degradação das pinturas.
Perante estas ameaças, o Estado francês, proprietário do local classificado como monumento histórico em 1992, lançou um estudo nacional para registrar este patrimônio o mais rapidamente possível.
– Enigmas –
Entre os enigmas que permanecem está o da impressão de um tecido em uma parede, o que poderia confirmar a hipótese de que esses caçadores-coletores faziam roupas na época em que frequentavam a gruta.
A representação de cavalos com crinas longas também levanta questões. Luc Vanrell avança a hipótese de uma primeira domesticação ou pelo menos de um aprisionamento do animal pelo homem, já que no estado selvagem as crinas são mais curtas, quase niveladas, devido ao efeito da vegetação durante o galope.
“Solos arqueológicos preservados sob uma camada de calcita” (um mineral) também devem ser estudados, explica Cyril Montoya, que fala da presença de “restos de carvão” que foram usados para pintar ou “zonas de aquecimento em estalagmites” transformadas em “lanternas para iluminar a gruta”.
A questão-chave do uso da gruta permanece sem resposta, admite Michel Olive.
Embora os arqueólogos concordem que nossos ancestrais distantes não moravam lá, alguns falam de “um santuário e outros de um local de encontro, até mesmo um local de extração de ‘leite lunar’, a substância branca das paredes usada para pintura corporal ou como auxílio para pinturas e gravuras”, explica.
– Desafio da réplica –
A ideia de criar uma réplica para o público existe desde a descoberta da gruta.
Mas foi preciso esperar até 2016 para que a região de Provence-Alpes-Côte d’Azur decidisse instalá-la em um edifício moderno sem uso no coração histórico de Marselha, a segunda maior cidade da França, ao lado do Museu das Civilizações Europeias e do Mediterrâneo.
Para a empresa Klébert Rossillon, responsável pela concepção, construção e gestão deste projeto de 23 milhões de euros (cerca de 24,7 milhões de dólares), dos quais 10 milhões financiados pela região, foi um grande desafio: colocar a réplica da gruta em um espaço menor e ao mesmo tempo ser o mais fiel possível ao original.
Por fim, após uma ligeira redução de escala, “serão mostrados 1.750 m2 de caverna, 100% das paredes pintadas e 90% das paredes gravadas”, diz Laurent Delbos, responsável pela obra.
Para seguir o original, a empresa dispôs dos dados de modelagem 3D da caverna coletados por arqueólogos sob os auspícios do Ministério da Cultura regional.
O trabalho manual se apoiou numa equipe de especialistas em réplicas de cavernas decoradas com as quais já foi construída uma recriação da caverna de Chauvet em Ardèche.
“Os artistas pré-históricos escreveram uma partitura há muito tempo, eu sou um de seus intérpretes”, resume o artista plástico Gilles Tosello, 66 anos, que tem se dedicado a reproduzir desenhos pré-históricos com a maior fidelidade possível, com os mesmos instrumentos e carvão usados na época.