22/06/2022 - 9:24
Apenas três dias após a abertura de sua 15ª edição, uma acirrada polêmica abala a exposição de arte contemporânea Documentaem Kassel, na Alemanha: uma obra do coletivo artístico indonésio Taring Padi está sendo criticada por representantes israelenses e alemães como profundamente antissemítica.
O mural People’s justice (Justiça do povo), originalmente exibido em 2002 na Austrália, apresenta uma figura soldadesca de aparência suína, em cujo capacete está escrito “Mossad”, o nome do serviço secreto de Israel. Outra figura tem os cachos laterais associados aos judeus ortodoxos, presas e olhos injetados de sangue e porta um chapéu preto com uma insígnia da organização paramilitar nazista SS.
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“Estamos repugnados pelos elementos antissemíticos exibidos publicamente na mostra Documenta 15”, escreveu a embaixada israelense, acrescentando que partes do mural são “reminiscentes da propaganda usada por [ministro nazista da Propaganda Joseph] Goebbels e seus capangas durante tempos mais sombrios da história alemã”. “Todas as linhas vermelhas não foram apenas atravessadas, elas foram estraçalhadas”, conclui o comunicado.
“A liberdade artística bate em seus limites”, concordou a ministra alemã para Cultura e Mídia, Claudia Roth, instando o coletivo de curadores Ruangrupa – sediado em Jacarta e encarregado da organização da atual Documenta – a “encarar as consequências necessárias”.
“Monumento de luto pela impossibilidade de diálogo”
Nesta terça-feira (21/06), a imprensa alemã noticiou que a obra seria desmontada. Dizendo-se envergonhado, Christian Geselle, o prefeito de Kassel, comentou que “algo que não deveria acontecer, ocorreu”.
Angela Dorn, governadora do estado de Hesse, nde fica Kassel, disse estar zangada e decepcionada, e que o incidente comprometeria a reputação da Documenta.
Na véspera, o Taring Padi concordara em cobrir o controverso mural, que integra uma grande instalação ao ar livre, além de acrescentar uma nota explicativa.
Segundo o coletivo ativista fundado em Java em 1968, trata-se de “parte de uma campanha contra o militarismo e a violência que vivenciamos durante os 32 anos da ditadura militar de Suharto na Indonésia, e seu legado que continua a ter impacto hoje”.
“Não há intenção de relacioná-lo, de forma alguma, com o antissemitismo. Estamos desolados que detalhes neste outdoor sejam compreendidos de modo diferente de seu propósito original. Pedimos desculpas pela mágoa causada neste contexto.” A obra coberta se tornará “um monumento de luto pela impossibilidade de diálogo neste momento” e “este monumento, esperamos, será o ponto de partida de um novo diálogo”.
“Adicionar nota de rodapé é absurdo”
Apesar de o coletivo sustentar que se trata de uma crítica ao autoritarismo na Indonésia, grupos da comunidade judaica não concordam que baste cobrir a obra.
Charlotte Knobloch, presidente da Comunidade Judaica de Munique e Alta Baviera, no sul da Alemanha, se declarou “horrorizada pelo puro ódio aos judeus mostrado nessa imagem do Taring Padi”. Segundo ela, as características retratadas são “gritantemente antissemitas” e “adicionar uma nota de rodapé é absurdo”.
Para Josef Schuster, do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, “liberdade artística termina onde começa a xenofobia”.
O presidente da Sociedade Teuto-Israelense, Volker Beck, e promotores estão preparando uma queixa contra o mural.
Controvérsia com antecedentes
Pela primeira vez desde que foi criada, em 1955, em sua 15ª edição a Documenta está sob a curadoria de um coletivo, o Ruangrupa, que convidou artistas de todo o mundo, especialmente do Sul Global.
Entre eles está o coletivo palestino The Question of Funding, acusado em janeiro de ser antissemita, numa postagem de blog, pelo fato de seus artistas apoiarem o boicote cultural a Israel.
A acusação, feita por uma aliança contra o antissemitismo, foi rejeitada pelo Ruangrupa em carta aberta, em que apela pela liberdade artística. Ao mesmo tempo, o coletivo indonésio se pronunciou a favor da neutralidade política, declarando-se disposto a entabular um diálogo. Na época, tanto o conselho supervisor da Documenta quanto a ministra Roth respaldaram a equipe de curadores.