29/07/2022 - 0:12
Em fevereiro, Celso Campilongo assumiu a diretoria da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) com um discurso de que a centenária escola estaria “forte e preparada” para defender a democracia do País. Ele não pensava, no entanto, que em julho estaria numa mobilização de mais de 300 mil pessoas preparada dentro do Largo de São Francisco – o qual, inicialmente, Campilongo imaginou que angariaria cem ou 200 apoiadores. “Eu preferiria mil vezes não estar nesta situação. Acho que a democracia brasileira está em risco, sim”, disse o diretor ao Estadão.
O manifesto saltou de 3 mil para 100 mil assinaturas em menos de 24 horas (até a conclusão desta edição eram mais de 300 mil). O senhor imaginava essa repercussão?
Nosso sistema de adesões está congestionado. Quando subimos o documento, às 17h de segunda-feira (25), tínhamos 3,1 mil assinaturas. Na terça-feira (26), às 8h da manhã, 30 mil. No final da manhã, 60 mil. É acima de qualquer expectativa mais otimista que eu pudesse ter.
Por que invocar a carta de 1977? No que os dois momentos se assemelham?
Temos semelhanças e diferenças. Vou começar pelas diferenças. Em 1977, tínhamos muito medo da ditadura, de participar de atos públicos. A UNE era proibida. A peruada (festa tradicional da Faculdade de Direito) ficou proibida. As pessoas ficavam com medo de, num ato público, serem filmadas ou fotografadas e que essas imagens fossem cedidas ao Dops. Hoje, é impossível fazer ato público que não seja filmado, fotografado por todos simultaneamente. Organizar um ato era algo que custava meses de preparação. Hoje, eu coloco o manifesto online e tenho, de um dia para o outro, 100 mil assinaturas.
E as semelhanças?
Vejo que 1977 representou uma mudança de rumo na luta pela reconquista da democracia. Foi um momento de inflexão. As primeiras manifestações do empresariado paulista neste período contra a ditadura militar começaram a ganhar impulso a partir daí. A carta atual está num contexto muito diferente, mas também tem significado de um momento de inflexão. A manifestação mais chamativa dessa mudança de rumo são as adesões do meio empresarial, da Fiesp, de bancos e empresários. Nisso, é muito parecido com 1977.
Outros manifestos em defesa da democracia já surgiram durante o governo Bolsonaro e isso não diminuiu os ataques contra o sistema eleitoral, pelo contrário. Acredita que agora esses ataques podem cessar?
Infelizmente não cessarão, mas esse pessoal que fica falando mal da Justiça Eleitoral vai pensar duas vezes em continuar com esse discurso, que é inclusive politicamente questionável, porque perde voto, é um discurso desacreditado. Coisas como ouvimos de que os bancos assinaram a carta porque estão perdendo dinheiro com o Pix beiram o ridículo.
Bolsonaro disse não se amedrontar por uma “cartinha”. Como o sr. responde?
De “gripezinha” à “cartinha”, querem diminuir o Brasil à condição de “paisinho”. Há dois dias ouvimos críticas inconsistentes à carta e vemos o número de adesões crescer de forma explosiva. Apenas ontem, o site da Faculdade de Direito da USP recebeu seis milhões de visitas. O Brasil não aceita diminuição de sua democracia e de suas eleições.
Como se sente em fazer ato em defesa da democracia, depois de ter acompanhado a redemocratização?
Eu preferiria mil vezes não estar nesta situação, mas acho que a democracia brasileira está em risco. Temos manifestações no Executivo que deixam claro porque as pessoas estão preocupadas. São falas como “não vou cumprir decisão judicial”, “esta é a última vez”, “não estique mais a corda”. São aberrações, inadmissíveis. Mas partem também de grupos organizados na sociedade civil que funcionam como milícias digitais. Tudo isso solapa a democracia, desvirtua a formação da opinião pública.