Por Lisandra Paraguassu

SÃO PAULO (Reuters) -Foi em um largo de São Francisco lotado, dentro e fora, que acadêmicos, estudantes, empresários, sindicalistas e representantes da sociedade civil apresentaram, nesta quinta-feira, no centro de São Paulo, a Carta em Defesa da Democracia e da Justiça, no mais significativo ato para responder aos seguidos ataques do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), ao processo eleitoral e a outros Poderes e instituições.

Na mais ampla coalizão que visa dissuadir Bolsonaro de contestar os resultados das urnas, o encontro na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) reuniu nomes como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o empresário Horácio Lafer Piva, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias –um dos idealizadores da carta–, o ex-jogador de futebol Walter Casagrande e a cantora Daniela Mercury.

“Este não é manifesto partidário, é um momento em que a sociedade brasileira vem manifestar seu compromisso com o estado de direito e sobretudo com a soberania popular, que está sendo atacado de forma vil”, disse Oscar Vilhena, professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, outro dos idealizadores do documento.

Uma primeira carta, assinada por mais de 100 entidades, foi lida no salão nobre da faculdade, com discursos de sindicalistas, empresários e juristas.

“Precisamos preservar o que para nós é sagrado, que é a nossa democracia. Às vezes nos esquecemos que as sociedades mais prósperas, aquelas onde reina a liberdade, a solidariedade, a prosperidade são todas democracias”, disse Armínio Fraga.

O manifesto recebeu o endosso de entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) –ainda que apoiada apenas por 18 de seus mais de 100 filiados– a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, e a Anistia Internacional, entre outros.

Do lado de fora da universidade, marchas organizadas pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e Ordem dos Advogados do Brasil na seção São Paulo passavam enquanto os discursos eram feitos.

“Temos aqui a reunião de sindicalistas, empresários e movimentos sociais. Isso mostra que as eleições já têm um vencedor. Esse vencedor é o sistema eleitoral brasileiro. Esse vencedor é a legalidade do estado democrático de direito, o vencedor das eleições é o povo brasileiro”, disse o diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Fernandes Campilongo.

Em uma segunda parte do ato, nas arcadas do pátio da faculdade do Largo de São Francisco, centenas de pessoas ouviram a leitura da “Carta em Defesa da Democracia”, com mais algumas centenas reunidas do lado de fora da instituição, assistindo ao ato por um telão.

O documento, que no início da tarde desta quinta-feira já tinha mais de 950 mil assinaturas –a expectativa é chegar a 1 milhão nas próximas horas– afirma que “a estabilidade democrática, o respeito ao Estado de Direito e o desenvolvimento são condições indispensáveis para o Brasil superar os seus principais desafios”.

“Todos que estão aqui hoje lutem contra apatia, contra o populismo, contra as ameaças. Lutem contra deixar de lado o melhor de nós mesmos, e pela democracia que só pode nos permitir reconhecer nossos erros e tratar de consertá-los”, disse o empresário Horário Lafer Piva, da gigante do papel Klabin.

Apartidário, o ato reuniu poucos políticos entre as cerca de duas mil pessoas que participaram no pátio da universidade. Nenhum dos candidatos a presidente esteve presente, apesar do texto ter sido assinado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a senadora Simone Tebet (MDB) e por Ciro Gomes (PDT), entre outros. A intenção foi justamente deixar de fora o aspecto eleitoral do momento, poucas semanas antes do primeiro turno das eleições.

Nenhum político presente –estavam no ato o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), candidato ao governo de São Paulo; o ex-governador Márcio França (PSB), candidato ao Senado; a ex-ministra Marina Silva (Rede), candidata a deputada federal, entre outros– foi chamado a discursar.

Mas, ao terminar a leitura da carta, os presentes puxaram um coro de “Fora, Bolsonaro”. Do lado de fora, o mesmo grito foi ouvido quando a cantora Daniela Mercury discursou para o público do balcão da faculdade.

Em sua conta no Twitter, o presidente não citou o movimento –ao qual tem chamado de “cartinha”–, mas usou a ironia ao escrever que “hoje aconteceu um ato muito importante em prol do Brasil e de grande relevância para o povo brasileiro”, para em seguida afirmar que se tratava da redução do preço do diesel pela Petrobras.

Medidas aprovadas a toque de caixa para baixar impostos e forçar a queda de combustíveis, além de novos e turbinados programas sociais, são a principal aposta do presidente para reduzir a distância do ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas de intenção de voto.

A carta em defesa da democracia ganhou tração política graças aos seguidos ataques e alegações sem fundamento de Bolsonaro de que as urnas eletrônicas permitem fraudes — algumas vezes em questionamentos apoiado pela cúpula militar. Ele já chegou a insinuar que não respeitará o resultado das eleições se não for o vencedor do pleito e, questionado seguidas vezes, recusa-se a responder se entregará o cargo em caso de derrota.

A coalizão cresceu depois do encontro de Bolsonaro com embaixadores de mais de 40 países em que o presidente atacou as urnas eletrônicas com alegações falsas, que levaram a reações de governos como dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Nesta quinta-feira, são esperados ainda atos de rua em São Paulo e em diversas capitais também em defesa da democracia.

(Reportagem adicional de Eduardo SimõesEdição de Flávia Marreiro)

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