02/09/2022 - 6:30
Bem longe do eixo Rio-São Paulo, o empresário José Carlos Garrrote de Souza, ou somente Zé Garrote (ou ZG aos mais íntimos), vem construindo uma gigante regional do frango em Goiás. Dono da São Salvador Alimentos, que tem sob seu guarda-chuva as marcas Super Frango e Boua, a empresa fatura cerca de R$ 3 bilhões por ano e quer alçar voos maiores.
Mesmo não tendo conseguido fazer sua abertura de capital no ano passado, a companhia segue em contato com investidores da Faria Lima, centro nervoso do mercado financeiro nacional, e vem chamando atenção com seus números.
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Garrote, que, aliás, não é seu sobrenome de batismo, mas sua origem é de um apelido de infância, é muito conhecido em Goiás. Uma das histórias por trás da empresa é que, em três ocasiões, Garrote vendeu todo seu patrimônio para expandir o negócio. Foi assim que na década de 1980, quando levantou capital para ter seu abatedouro. Uma das propriedades que vendeu foi sua casa, o que o fez ir morar na casa do sogro por um período. A dona da Super Frango nasceu no começo da década de 1980, exatamente em sociedade com o pai de sua esposa Flávia, que já tinha uma granja na época.
A jornada de José Garrote, hoje com 64 anos, no mundo do frango não foi, contudo, planejada: seu caminho estava direcionado a ser dono de uma drogaria, como o pai. No entanto, pouco tempo depois de ter casado, o sogro pediu sua ajuda a cuidar do negócio, após um problema de saúde do filho que o tirou do dia a dia da granja. Foi aí que, junto com a esposa, Garrote decidiu vender pela primeira vez todo seu patrimônio, incluindo casa e carro, para investir no negócio. “Eu queria desenvolver o negócio de farmácia, nunca tinha pensando em trabalhar com frango”, conta.
Ao contrário de grandes produtores, a São Salvador Alimentos decidiu fornecer aos pequenos supermercadistas. Para isso, teve de desenvolver uma logística para fazer entregas em prazos mais curtos, e em menores quantidades, em lugares longe das capitais. Esse atendimento no “pinga-pinga” evita que esses varejistas, que têm menos fôlego de caixa, sejam obrigados a fazer pedidos grandes demais.
Com esse olhar para as redes regionais, os preços dos produtos vendidos acabam sendo maiores e, com isso, as margens de lucro cresceram – justamente o ponto que tem chamado a atenção do mercado financeiro. A margem Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da companhia tem se mantido consistentemente acima de 25%, ao passo que o índice da empresa mais conhecida do setor, a BRF (dona das marcas Sadia e Perdigão), tem ficado em torno de 10%.
No início dos anos 1990, a empresa abatia 2,5 mil aves por dia. Foi nessa época que os planos de crescer se aceleraram. “E decidi fazer um abatedouro para 8 mil e uma infraestrutura para 20 mil aves por dia. Ninguém na Faria Lima daria conta de entender essa conta”, brinca ZG. E ao longo dos anos, com mais investimentos, a empresa foi crescendo e cortando os intermediários.
Hoje, anos depois, o abate diário da empresa é de cerca de 430 mil aves. Recentemente, a São Salvador Alimentos inaugurou um novo complexo de produção para chegar a para 730 mil aves por dia. A empresa está presente em 14 Estados, no Distrito Federal e exporta para 75 países. A segunda planta industrial fica também em Goiás, no município de Nova Veneza.
No ano passado, acelerando seu crescimento, inaugurou uma nova fábrica de rações. Para frente, o empresário garante há muito espaço para crescer. Mas diz não ter pressa. “Pude observar muita gente que caminhou rápido caiu”, relembra.
Aos que pensam que a vida da dona da Super Frango foi uma estrada sem percalços, o empresário faz questão de deixar bem claro que não foi bem assim. Antes de ser reconhecido pelo império que construiu em Goiás, Garrote se desfez por três vezes de todo seu patrimônio. Primeiro, logo no início dos anos 1980, vendeu carro, casa e drogarias; anos mais tarde, um apartamento comprado na planta também foi investido na granja; e, por fim, a casa do sogro teve o mesmo destino. “Tudo isso compensou”, afirma.
De olho no mercado
Com os dados de crescimento e de lucratividade debaixo do braço, a companhia está fazendo nesta semana um “non deal roadshow” – expressão que, no jargão do mercado financeiro, define as reuniões de empresas com investidores sem uma operação de mercado específica. A demanda foi tão grande pela companhia que um segundo dia de encontros teve de ser marcado.
Apesar de seguir como o nome forte dentro da companhia, Garrote está hoje no conselho de administração. Apesar disso, vai todos os dias ao escritório, de acordo com uma fonte próxima. Na pandemia, seu filho, Hugo Perillo e Souza, de 37 anos, assumiu o principal cargo executivo da empresa.
“A empresa, sem saber do que era uma governança corporativa. já tinha toda uma estrutura organizada há muito tempo”, comenta uma fonte próxima à companhia. O filho foi preparado para assumir o posto, tendo feito universidade fora do País e atuado em outras empresas. A empresa é há anos auditada por uma das maiores auditorias.
Além de Hugo, Garrote também é pai de duas filhas, Ana Cláudia e Ana Flávia, que também trabalham no negócio da família. Ele tem quatro netos, que carregam na certidão o sobrenome adotado pelo avô: Garrote. “Eu também já mudei todos os meus documentos. Se perguntar quem é José Carlos de Souza, ninguém sabe”.
É de olho na perenidade da São Salvador que Garrote quer fazer a oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da empresa. “O IPO não é com base só em dinheiro, mas uma forma de deixar a empresa mais exposta ao mercado e pronta para receber uma flexibilidade de capital, com o objetivo de trazer mais crescimento”, diz outra fonte próxima à companhia.
Depois de o IPO não decolar, a São Salvador já fez sua estreia no mercado de capitais, com duas operações de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), papel de renda fixa que caiu no gosto do investidor pela isenção do Imposto de Renda (IR). Um grupo de cerca de 20 analistas de fundos foi conhecer pessoalmente o dia a dia da companhia. “O feedback foi muito positivo”, diz uma fonte de mercado.
Estreia na Bolsa ‘na hora certa’
E Garrote garante que o IPO ainda virá, na hora certa. É por isso que tem mantido há anos uma estrutura de governança. O sonho da abertura de capital nasceu em 2005, época em que a Bolsa brasileira passou por uma “onda” de estreias. Colocando a chegada à B3 como meta, ele contratou uma das principais auditorias com atuação no Brasil, o escritório de advocacia Pinheiro Neto e a consultoria Falconi para colocar a casa em ordem. Do lado do banco de investimento, recrutou a XP.
“Terei mais opções se fizer um IPO”, diz Garrote. Agora, ao voltar a mostrar seu negócio para investidores, o empresário diz que vai entregar aquilo que tinha sido prometido em termos de lucratividade. “Entregamos o resultado de 2021 à risca”, diz. Com a casa arrumada, o empresário diz que, quando voltar ao mercado, “não haverá nenhum sobressalto”.
Recentemente, após deixar o cargo executivo de sua empresa, Garrote assumiu a presidência da Associação Pró-Desenvolvimento Industrial do Estado de Goiás (Adial). Em ano de eleições, Garrote diz que tem confiança no Brasil. “Entendo que o Brasil tem grandes oportunidades à frente. O Brasil tem uma democracia sólida. Acredito na democracia e instituições do Brasil. Precisamos de uma gestão mais alinhada às tendências mundiais. Isso nos ajudará a crescer mais e mais”, diz.
Consultor especializado em agronegócio, Carlos Cogo afirma que o setor granjeiro vive um momento de “mercado interno aquecido e bom ritmo de exportações, que deverão crescer entre 6% e 8% em 2022”. “A maior demanda interna dá sustentação aos preços do frango vivo neste mês de agosto, enquanto os insumos usados na avicultura recuam, aliviando o custo de produção. Há uma estabilização dos custos de produção de frango vivo, com o milho mais barato neste segundo semestre de 2022”, afirma.