Brasil adota voto eletrônico desde 1996. Apesar das alegações infundadas de Bolsonaro sobre o sistema, nenhuma falha de segurança significativa foi comprovada até hoje.O Brasil usa urnas eletrônicas em suas eleições desde 1996, mas apenas recentemente elas se tornaram alvo frequente de ataques infundados de Jair Bolsonaro.

Sem mostrar provas, o presidente tem o costume de apresentar teorias e vídeos já desmentidos para desacreditar o sistema eleitoral e minar de antemão a legitimidade das eleições.

Ironicamente, o voto eletrônico foi introduzido exatamente para combater fraudes. Os brasileiros votavam em cédulas de papel, onde deviam marcar uma lacuna ou escrever o nome do candidato de sua preferência, dependendo da eleição.

Numa época em que o Brasil tinha cerca de 14 milhões de analfabetos, o sistema apresentava diversos problemas: as apurações eram frequentemente caóticas, podiam demorar vários dias, repletas de erros e com muita suspeição.

“Sempre tinha um problema na apuração: a pessoa tinha uma caligrafia ruim, escrevia no lugar errado da cédula ou marcava o 'x' fora do quadrado e o voto era nulo”, afirmou à agência de notícias AFP o advogado Henrique Neves da Silva, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele acrescenta que “havia muita fraude antes da urna eletrônica […], voto em branco de repente era preenchido no meio da apuração”.

Militares participaram da criação da urna eletrônica

O projeto da urna eletrônica começou em 1995, quando o TSE formou uma comissão técnica liderada por pesquisadores do alto escalão do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Técnico Aeroespacial para desenvolver o projeto da votação eletrônica. Ela foi usada pela primeira vez nas eleições municipais de 1996, em 57 cidades, por mais de 32 milhões de brasileiros.

A parte operacional contou com a participação ativa de militares, já que grandes instituições tecnológicas com relação com as Forças Armadas tiveram papel científico importante no desenvolvimento do sistema.

Comemorado como um sucesso, o uso do voto eletrônico foi ampliado para 67% do eleitorado nas eleições presidenciais de 1998. Já nas eleições seguintes, em 2000, as urnas eletrônicas chegavam a todos os cantos do país, no primeiro pleito totalmente informatizado do Brasil.

Brasil é um dos poucos países que usa voto eletrônico

O Brasil é um dos 23 países do mundo que usam urnas eletrônicas em eleições gerais, de acordo com o Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA). Outros 18 usam o sistema em eleições regionais.

Mas, segundo um levantamento do jornal Folha de S. Paulo, apenas Brasil, Bangladesh e Butão adotam a votação por urna eletrônica sem comprovante do voto impresso.

Em alguns países, como na Índia, o voto impresso pode ser conferido pelo eleitor através de um visor. Depois, ele cai automaticamente numa urna, sem nenhuma intervenção humana. Os indianos começaram em 2011 a mudar seu sistema, que era igual ao brasileiro, e só conseguiram concluir a transição em 2019.

Na Venezuela, por exemplo, o eleitor recebe seu voto impresso após votar na urna eletrônica e o deposita manualmente na urna.

Alguns especialistas defendem que o comprovante impresso dá uma maior confiabilidade ao processo. Atualmente, a auditagem das urnas eletrônicas no Brasil é feita através registros eletrônicos. Portanto não há um comprovante que não seja dependente do software.

Urna não está conectada à internet

“É uma máquina simples que tem uma única função: contabilizar os votos”, afirma Silva. Um detalhe importante: a urna eletrônica não está conectada à internet.

Após o encerramento da votação, os mesários retiram o cartão de memória de cada máquina e os levam a um posto local da Justiça Eleitoral, que por sua vez transmite as informações para o sistema central de contabilização em Brasília, por meio de uma rede independente da internet.

Em regiões remotas, como a Amazônia, usa-se às vezes uma conexão via satélite. O resultado raramente demora mais de duas horas para ser conhecido, no país com mais de 156 milhões de eleitores.

Código-fonte das urnas pode ser auditado

O software de contabilização de votos é atualizado para cada eleição – e o código-fonte pode ser auditado pelas autoridades eleitorais, pelo Exército e por partidos políticos. Também são realizados testes de segurança em que especialistas de TI tentam invadir o sistema da urna eletrônica.

Nenhuma falha de segurança significativa foi detectada. Porém, Bolsonaro insiste – sem apontar nenhuma comprovação – que o sistema permite fraudes. Ele alega que deveria ter sido eleito no primeiro turno em 2018, ao invés de disputar o segundo. Porém nunca apresentou prova alguma.

Diversas vezes, Bolsonaro ameaçou não respeitar o resultado das eleições de 2022, se o sistema atual for mantido. Ele pede que cada eleitor obtenha um recibo impresso de seu voto – o que, segundo as autoridades, abriria caminho para fraudes.

Bolsonaristas chegaram a patrocinar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para retomar o voto impresso, mas a medida acabou sendo barrada pelo plenário da Câmara dos Deputados, em agosto de 2021, não atingindo o mínimo de 308 votos favoráveis.

Urnas já foram usadas em 25 eleições gerais no Brasil

Promotores investigam Bolsonaro sob a acusação de espalhar desinformação sobre o sistema de votação, inclusive com embaixadores estrangeiros em julho. No evento, o presidente repetiu teorias fantasiosas sobre as urnas eletrônicas, voltou a atacar ministros do Judiciário e exaltou o suposto papel das Forças Armadas no processo eleitoral.

No dia seguinte, a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília elogiou o sistema eleitoral brasileiro, afirmando que “as eleições brasileiras servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”.

A representação diplomática americana frisou que “o país tem um forte histórico de eleições livres e justas, com transparência e altos níveis de participação dos eleitores”.

Nestas mais de duas décadas de uso, a urna eletrônica coletou e apurou os votos de milhões de eleitores em 25 eleições gerais e municipais (contando-se os dois turnos), com segurança e transparência. Isso consolida o Brasil como o país com a maior eleição informatizada do mundo.

fc/av (AFP, DW, ots)