03/10/2022 - 4:10
A “onda de direita” que varreu o Legislativo brasileiro nas eleições gerais de 2018 não foi um evento passageiro, como demonstram os resultados eleitorais para a Câmara e Senado deste domingo (02/10).
A nova composição das duas Casas indica que a extrema direita foi bem-sucedida em fincar raízes na paisagem política brasileira e conseguiu manter um eleitorado fiel, apesar de todos os problemas que a administração de Jair Bolsonaro (PL) enfrentou nos últimos quatro anos.
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Apesar de aparecer em desvantagem na disputa para o segundo turno presidencial, Bolsonaro ainda demonstrou ser um cabo eleitoral influente, não só para eleger aliados, mas também para punir direitistas que romperam com o Planalto.
Vitórias bolsonaristas no Senado
Bolsonaristas “raiz” e aliados do Centrão que colaram em Bolsonaro conquistaram 14 das 27 vagas no Senado. Apenas oito candidatos que receberam endosso de Lula conseguiram cadeiras na Casa – seis deles da região Nordeste. Com o resultado, só o PL de Bolsonaro passará a contar com a maior bancada da Casa: 14 senadores, cinco a mais do que a última composição. É a primeira vez desde a redemocratização que o MDB não vai ter a maior bancada.
Caso supere Lula no segundo turno e seja reeleito, Bolsonaro poderá contar com uma base de 24 senadores, levando em conta a quantidade de senadores bolsonaristas ou aliados que já ocupam vagas na Casa.
A partir de 2023, o Senado vai contar com uma série de bolsonaristas “puro sangue” como a ex-ministra Damares Alves, eleita pelo Distrito Federal, o atual vice-presidente Hamilton Mourão, que garantiu vaga no Rio Grande do Sul, e Jorge Seif, ex-secretário da Pesca que vai representar Santa Catarina. Em São Paulo, o ex-ministro Marcos Pontes (PL), derrotou o ex-governador Márcio França (PSB), contrariando as pesquisas que apontavam favoritismo do socialista.
A eleição da fundamentalista cristã Damares recebeu apoio decisivo da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que ignorou os arranjos do PL, o partido do seu marido, que havia lançado a ex-ministra Flávia Arruda. Já o caso de Seif surpreendeu, já que sua votação foi 20 pontos superior ao captado em uma pesquisa divulgada na sexta-feira.
Outro aliado do presidente eleito neste domingo foi Magno Malta (PL-ES), outro cristão fundamentalista, que havia amargado uma derrota em 2018, vai voltar à Casa após um intervalo de quatro anos.
Bolsonaristas e aliados do Centrão ampliam espaço na Câmara
O casamento do bolsonarismo com o PL, uma sigla tradicional do Centrão, rendeu frutos. O partido conseguiu eleger a maior bancada da Câmara, segundo projeções iniciais. A bancada da legenda pode ter 99 deputados. O número supera os 52 parlamentares do PSL que Bolsonaro havia impulsionado em 2018. A nova bancada do PL será a maior na Casa em 24 anos.
Já a federação formada por PT, PCdoB e PV deve ser a segunda maior força da Casa, com 79 deputados, segundo cálculos do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Só os partidos do Centrão, formados por PL, União Brasil, PP e Republicanos devem eleger 229 deputados federais – 48% da Câmara.
Na Câmara, o bolsonarismo ainda garantiu uma marca simbólica: a maior votação individual de um deputado federal no país, que foi obtida em Minas Gerais pelo vereador Nikolas Ferreira (PL-MG), de 26 anos, um influencer bolsonarista das redes sociais.
Em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, dos quatro deputados federais mais votados, três são bolsonaristas “puros”: Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e o ex-ministro Ricardo Salles. Eduardo, no entanto, apesar de ter sido o terceiro mais votado no estado, perdeu mais de 1 milhão de votos em relação a 2018. No total, o PL de Bolsonaro conquistou 17 vagas das 70 de São Paulo na Câmara Federal. Já o PT garantiu 11.
No Rio de Janeiro, outra estrela do bolsonarismo, Hélio Lopes, que desta vez concorreu com seu próprio nome e não como “Hélio Bolsonaro, foi reeleita para a Câmara – embora com votação menor que em 2018.
O presidente ainda conseguiu eleger como deputado federal o ex-ministro Eduardo Pazuello, que se notabilizou por sua gestão desastrosa à frente da Saúde durante a pandemia. Estreante na política partidária, o general foi o segundo mais votado no estado, passando a marca de 200 mil votos. Em todo o estado do Rio o PL garantiu 11 das 46 vagas em disputa no estado.
No Rio Grande do Sul, dois bolsonaristas também apareceram no topo do ranking dos eleitos para a Câmara. Aliados do presidente também foram os mais votado para a Câmara no Distrito Federal, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul.
Direitistas que romperam com Bolsonaro são abandonados por eleitores
A força de Bolsonaro como cabo eleitoral da extrema direita também pode ser medida entre os derrotados no pleito.
Diversos estreantes na política que surfaram na onda bolsonarista em 2018 e que depois romperam com o presidente acabaram fracassando nas urnas neste domingo, indicando que há menos espaço para a direita não alinhada ao presidente.
Entre eles está a deputada Joice Hasselmann, segunda candidata que mais recebeu votos para a Câmara Federal em 2018. Há quatro anos, quando estreou na política, a ex-jornalista Joice colou sua imagem ao ex-capitão e obteve pouco mais de um milhão de votos.
Mas sua convivência com o clã Bolsonaro no Congresso foi tumultuada, e ela rompeu com Bolsonaro ainda em 2019 junto com outros deputados do PSL, passando os anos seguintes criticando abertamente o governo.
Em 2022, sem Bolsonaro como cabo eleitoral, Joice obteve apenas 13.679 votos – 98,7% a menos do que pleito anterior. Após o resultado, Jair Bolsonaro ironizou a votação da deputada ao falar com apoiadores. “Alguém sabe se a Joice Hasselmann foi reeleita?”, perguntou, recebendo como resposta gritos de “não”.
O mesmo aconteceu com o ex-ator e deputado Alexandre Frota (PSDB), que em 2018 também se elegeu apoiando Bolsonaro e defendendo ideias de direita. Além de romper com o presidente, Frota passou a expressar ideias mais progressistas. No entanto, o afastamento do bolsonarismo se relevou trouxe consequências para sua carreira política. Em 2018, ele recebeu mais de 155 mil votos para a Câmara Federal. Em 2022, ao disputar uma vaga como deputado estadual, amargou apenas 24 mil votos.
Ainda em São Paulo, a deputada estadual Janaina Paschoal, a parlamentar mais votada do Brasil em 2018, com mais de 2 milhões de votos, conseguiu apenas 447 mil votos em sua tentativa de conseguir uma vaga no Senado. Ela ficou em quarto lugar, com apenas 2,07% dos votos válidos. Considerada “independente demais” pelo bolsonarismo, a ultradireitista Janaina, tentou sem sucesso ao longo da campanhar obter a benção de Bolsonaro para sua candidatura, mas o presidente resolveu apoiar Marcos Pontes, que acabou eleito.
Outros dois extremistas de direita que assim como Janaina se desgarraram do bolsonarismo para lançarem suas próprias “grifes” de extrema direita, os irmãos Weintraub também obtiveram votações humilhantes. O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub conseguiu apenas 4.057 votos na sua tentativa de chegar à Câmara. Seu irmão, Arthur, foi ainda pior, obtendo apenas 1.990 votos.
“Bancada da Lava Jato” vence após se reaproximar de Bolsonaro
Além dos bolsonaristas, representantes da “Lava Jato” garantiram vitórias expressivas neste domingo.
O ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) foi eleito senador pelo Paraná, graças em grande parte à sua estratégia de cortejar o eleitorado bolsonarista e apostar no discurso antipetista.
Ao longo da campanha, Moro minimizou sua saída estrondosa do governo Bolsonaro em 2020 e preferiu focar nos “pontos em comum” com o presidente. “Eu e o presidente Bolsonaro temos um inimigo em comum” disse Moro em diversos momentos da sua campanha.
No mesmo estado, o ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos) foi o deputado federal mais votado.
Até mesmo a mulher de Moro, Rosângela (União Brasil), garantiu uma vaga de deputado federal por São Paulo.
Centro-direita tucana continua sua derrocada
A eleição deste domingo também mostrou o contínuo sufocamento da antiga centro-direita brasileira representada pelo PSDB, que pela segunda vez seguida perdeu espaço para a extrema direita bolsonarista.
Nenhum tucano foi eleito senador em 2022 e o partido não emplacou governadores no primeiro turno.
O maior desastre foi registrado em São Paulo. Pela primeira vez em 28 anos, os tucanos perderam uma eleição para o governo de São Paulo. Acostumado a ganhar no primeiro turno no estado ou a disputar confortáveis decisões de segundo turno, o PSDB desta vez foi atropelado pela candidatura do ex-ministro bolsonarista Tarcísio de Freitas, um carioca que mudou seu domicílio eleitoral para São Paulo em janeiro deste ano e que é uma das grandes apostas do presidente em 2022.
Ainda em São Paulo, o PSDB sofreu outra derrota simbólica: o ex-governador José Serra, duas vezes candidato ao Planalto, não conseguiu se eleger para a Câmara.
No Rio Grande do Sul, o tucano Eduardo Leite vai disputar o segundo turno para o governo local com o ex-ministro bolsonarista Onyx Lorenzoni. Leite, , que chegou a contemplar uma candidatura à Presidência, ficou dez pontos atrás de Onyx.
A legenda ainda está no páreo pelo governo de dois estados: Pernambuco, com Raquel Lyra (PSDB) e na Paraíba, com Pedro Cunha Lima (PSDB). Assim como no Rio Grande do Sul, o candidatos tucanos nesses dois estados passaram para o segundo turno em desvantagem, na segunda posição.
Partido que governou o Brasil por duas vezes, o PSDB também sai desta eleição com sua menor bancada da história na Câmara: 18 deputados, e isso contando com os eleitos pelo Cidadania, que formou uma federação com os tucanos. Em 2018, quando já estava em baixa e perdendo espaço para o bolsonarismo, o PSDB havia eleito 29 deputados.