04/10/2022 - 6:23
Para combater as mudanças climáticas, o setor da construção deve se reinventar, mediante uma redução “drástica” do uso do cimento, substituindo-o por “materiais locais” e pela reciclagem, avalia Lina Ghotmeh, arquiteta franco-libanesa de 42 anos.
O setor da construção é responsável por 40% das emissões de gases de efeito estufa no mundo, segundo a ONU, das quais 28% são ligadas ao uso de energia (luz, aquecimento e climatização), e 11% aos materiais.
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Para Lina Ghotmeh, que concedeu uma entrevista com a AFP antes da conferência das Nações Unidas sobre o Clima COP27, em Sharm-El-Sheikh, no Egito, o “primeiro passo” para reduzir a pegada de carbono da construção é “preservar o que existe, não demolir” e “trabalhar na renovação energética para reduzir o consumo dos edifícios e torná-los mais bioclimáticos”.
Segundo ela, “deixar de construir” novos edifícios é difícil em face da demanda de moradia. “Será como dizer para parar de se alimentar”.
“O que é necessário é mudar nosso sistema de valores”, acrescenta Ghotmeh, que lecionou na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, copreside uma associação para a arquitetura em ambientes extremos, e acaba de ser nomeada para o conselho de administração da gigante dos materiais Saint Gobain como diretora independente.
Para a produção de couro e selaria de um grupo de luxo que ela construiu na França, a arquiteta optou por construir com tijolos, produzidos a partir da terra retirada da escavação do local, reforçando, assim, a inércia do prédio – ou seja, sua capacidade de estabilizar a temperatura e reduzir a demanda de energia.
Sem materiais vindos do outro lado do mundo. A volta às técnicas ancestrais, associadas à produção de energia limpa. E, por fim, um edifício “passivo”, que produz mais energia do que consome.
A inauguração está prevista para 2023.
– Materiais ecológicos ou de origem mineral –
Para ela, o desafio dos construtores frente ao aquecimento global é duplo: reduzir as emissões de CO2 e reduzir o consumo. “Como escolher materiais produzidos com menor impacto de carbono possível e desenhar uma arquitetura bioclimática, quer dizer, que demande menos energia?”, resume. A estes, soma-se um terceiro: como construir de forma mais leve usando menos materiais?
O arquiteto deve “refletir de forma circular, dizer que o material escolhido será capaz um dia de voltar à terra ou ser reutilizado” e privilegiar os de origem orgânica ou mineral – madeira, cânhamo, linho ou pedra -, bem como locais.
“No Canadá, construímos torres em madeira. No Japão, também. É um material que totalmente capaz de ser utilizado em construções altas”, mesmo adaptando-se a regulamentações que “mudam constantemente” (altura, regulamentos, anti-incêndio..), diz a arquiteta, que se prepara para construir uma torre em Paris em 2023.
“Desde a concepção do projeto, observo escrupulosamente os rótulos dos materiais”, acrescenta, “banindo”, por exemplo, aqueles que têm “muito plástico ou muita cola”, ou os rótulos “que não são absolutamente transparentes” sobre os componentes.
– Beirute, terreno “precursor” –
Além disso, “é preciso reduzir drasticamente o uso do cimento”, diz ela, e reservar seu uso aos canteiros de obras nos quais será insubstituível, por exemplo, para as fundações e as construções em áreas sísmicas.
Foi precisamente o que ela fez em Beirute, a cidade “estripada”, desfigurada pela guerra onde ela cresceu, e que despertou nela a vocação de “construir”. Sua torre de apartamentos, denominada “stone garden” (jardim de pedra), em cimento revestido com argamassa estriada, originado de uma habilidade artesanal local, resistiu à explosão do porto, em 4 de agosto de 2020.
Sem dramatizar, ela vê Beirute, a cidade “do colapso”, como um possível terreno “precursor”, uma “amostra” do que podem esperar nossas sociedades, ainda dependentes do petróleo, se elas se depararem com os efeitos das mudanças climáticas (secas, inundações, ondas de calor).
“Será que nossos sistemas são resilientes e são capazes de se transformar, de mudar de sistemas de valor” frente às transformações trazidas pelo aquecimento do planeta?, inquieta-se.
Mas Beirute também pode ser um laboratório avançado da transição: “porque não há praticamente mais que uma hora de eletricidade por dia, eu vi que todos os edifícios têm placas solares agora. Um tipo de independência energética começa a ganhar espaço, à força. Será necessária uma catástrofe como a do Líbano para fazer a transição?”