07/11/2022 - 15:09
Lula estará em Brasília para comandar a transição e se encontrar com Lira em um momento crucial para os dois. De um lado, o petista quer negociar uma licença para gastar e cumprir as promessas de campanha. Lira, por sua vez, tenta atrair apoio do PT para a reeleição no comando da Câmara, em 2023, e manter o poder sobre as emendas do orçamento secreto.
A possibilidade de acordo entre os dois é minado por disputas internas e divisões que já ocorrem na equipe do futuro governo. No mesmo dia, Lula deve bater o martelo sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, costurada pela equipe do novo governo para manter o Auxílio Brasil com o valor de R$ 600 a partir de janeiro. Também deve ser agendada uma reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, nesta semana.
Em maio, ainda na pré-campanha, Lula começou a atacar o Congresso e criticar o poder de Lira sobre o orçamento, entregue por Jair Bolsonaro (PL) por meio das emendas secretas. O petista chamou o presidente da Câmara de “imperador do Japão”, levando Lira a responder que poderia ser comparado a um imperador, “mas nunca a um ditador”. Depois, em agendas de campanha, Lula classificou o Congresso como o “pior da história” e ainda disse que iria “dar um jeito no Centrão”, grupo do presidente da Câmara.
“A conversa será boa. Ambos no clima, hora de colocar água fria e apaziguar ânimos”, disse o deputado Zeca Dirceu (PT-PR), um dos petistas escalados para fazer a ponte entre Lula e Lira.
Os dois conversaram por telefone no domingo do segundo turno, 30, após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarar Lula eleito. Segundo aliados do presidente da Câmara, o tom da conversa foi cordial e positivo. Tanto Lira quanto seu pai, Benedito, ex-senador, foram por longo tempo aliados dos governos do PT no Congresso. O telefonema começou com Lula perguntando da saúde do pai do parlamentar, o que animou e “desarmou” o deputado, de acordo com interlocutores.
O presidente eleito foi aconselhado a recuar dos ataques e virar a chave para um acordo com o Centrão em nome da governabilidade. Esse recado foi dado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) ao presidente eleito ainda durante o segundo turno, conforme relato feito por Teixeira ao líder do União na Câmara, Elmar Nascimento (BA), aliado de Lira.
O presidente eleito passou a considerar a manutenção do orçamento secreto, prometendo dar transparência às indicações das emendas, mas ainda mantendo o poder dos parlamentares na destinação dos recursos, com um período de transição. A decisão tomada é que o governo não vai mexer nas emendas de 2023 e começará a negociar o futuro dos recursos nos próximos anos.
Nos bastidores, parlamentares dizem que Lula precisará chegar na conversa com uma definição: se realmente vai “abraçar” Lira e já negociar o Orçamento de 2023 em troca do apoio ao presidente da Câmara ou se vai incentivar outra candidatura ao comando da Casa.
Se o segundo caminho for escolhido, é preciso começar a atrair quem pode desembarcar do apoio a Lira, que hoje tem maioria na Câmara, avisam aliados. Se a escolha for essa, os nomes mais citados nos bastidores para tentar desbancar o atual presidente da Câmara são os deputados Isnaldo Bulhões (MDB-AL), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e Luciano Bivar (União-PE).
Parlamentares avisaram Lula que o PT não pode cometer o mesmo erro de governos anteriores, quando lançou candidatura própria para a Presidência da República e foi derrotado. O caso mais recente ocorreu em 2015, quando o partido não quis apoiar o deputado Eduardo Cunha, que derrotou o PT na disputa e abriu o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff no ano seguinte.
“Não fui informado (da reunião entre Lira e Lula), mas acredito que será uma reunião proveitosa”, afirmou o deputado Claudio Cajado (PP-BA), presidente em exercício do partido de Arthur Lira. Atualmente, a legenda caminha para não integrar oficialmente a base de Lula, mas pode liberar os parlamentares a fazer um acordo com o petista. “Defendo uma pacificação, seja ela qual for, em nome da governabilidade”, disse o deputado Fausto Pinato (PP-SP).
Na semana passada, o vice-presidente eleito e coordenador da transição, Geraldo Alckmin, anunciou que o futuro governo começaria a escrever uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para conceder a Lula uma licença de gastos e viabilizar as promessas de campanha, principalmente o Auxílio Brasil – que voltará a ser chamado de Bolsa Família – de R$ 600 mensais. O projeto de Orçamento enviado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso garante R$ 400 para os beneficiários, valor menor do que o atual.
Aliados de Lula, encabeçados pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), porém, criticaram a PEC por forçar Lula a ficar refém do Centrão antes mesmo de tomar posse, pois teria que negociar os votos com o Congresso imediatamente. Esse grupo não quer Lira no comando da Câmara em 2023.
A alternativa discutida com ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) foi Lula assinar uma medida provisória abrindo um crédito extraordinário no Orçamento após tomar posse, sem autorização prévia do Congresso. A medida, no entanto, pode ser inconstitucional, pois só é liberada para despesas “imprevisíveis”, e foi descartada pela equipe de transição em uma reunião no domingo, 6.
O ministro-chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro, Ciro Nogueira, mandou uma mensagem a senadores no domingo, 6, criticando a possibilidade de um crédito extraordinário. A mensagem do ministro foi recebida nos bastidores como tentativa de defender a PEC e forçar Lula a fazer um acordo com o Centrão e apoiar a reeleição do presidente da Câmara no cargo.
Antes da reunião entre o presidente eleito e o presidente da Câmara, a bancada do PT deve fazer uma reunião para discutir a negociação. “É um momento de construir pontes para uma transição tranquila. Nossa expectativa é que a conversa seja para tornar oficial essa boa relação que os dois já estão vivendo”, disse o deputado Enio Verri (PT-SP), que comanda o PT na Comissão Mista de Orçamento (CMO), colegiado responsável por votar o Orçamento de 2023, o primeiro do próximo governo.