Há alguns anos, quando falávamos de distúrbios alimentares, eram doenças como bulimia e anorexia que nos vinham à cabeça. Mas a recente mudança de comportamento, levando muitas pessoas a uma obsessão patológica por uma alimentação nutritiva, pura e biológica na procura da dieta perfeita, fez surgir o termo ortorexia.

A palavra tem origem grega e é da autoria do médico norte-americano Steven Bratman, autor do livro “Health Food Junkies” (Viciados em Alimentação Saudável). Apesar dos profissionais de saúde estarem atentos à existência da patologia e ao crescente número de vítimas, esta ainda não foi classificado enquanto tal em manuais de psiquiatria como o DSM (Diagnistic and Statistical Manual of Mental Disorders), da sociedade norte-americana de psiquiatria.

+ Alimentação está ameaçada pelos desastres climáticos

“Claramente menos frequente que as anorexias ou bulimias nervosas, a ortorexia, muitas vezes vista como uma obsessão pela escolha saudável dos alimentos, pode ter consequência igualmente preocupantes no que diz respeito à qualidade de vida, quer emocional quer social, de quem sofre desta patologia”, explica a nutricionista Lilian Barros.

Importa aqui perceber que “uma pessoa que simplesmente cumpre um plano alimentar prescrito ou tem o cuidado na escolha do que come, optando por uma alimentação mais natural e saudável, não sofre necessariamente de ortorexia”. Mas quando a preocupação com o plano alimentar entra em conflito com a vida em sociedade, no trabalho, na esfera social e até mesmo familiar, a existência do distúrbio deve ser considerada.

Os primeiros sinais de alarme podem surgir quando alguém começa a recusar convites para jantar fora ou em casa de amigos e familiares porque não pode controlar os ingredientes nem o modo de confeção, começando assim a isolar-se da sua rede social. Numa fase mais avançada, esta pessoa torna-se «escrava das limitações que a própria criou sobre si mesma e sobre as suas condutas alimentares», explica a especialista.

Tal como acontece noutros desvios comportamentais, há comportamentos que se tornam obsessivos: «A preocupação com a alimentação saudável é tão grande que é capaz de passar horas a pesquisar contaminantes alimentares, consequências do consumo de aditivos artificiais, efeitos negativos para a saúde do consumo de antibióticos utilizados nas carnes, do consumo de gorduras saturadas, dos metais pesados existentes nos peixes gordos, do consumo de cereais transgénicos, da adição de sal, do consumo de aspartame, da utilização de pesticidas nas culturas vegetais… enfim a lista é verdadeiramente infindável e as limitações que se aplica a si mesma igualmente drásticas.

Lilian Barros refere que a mente do paciente «é ocupada com todas estas questões, preocupações e obsessões deixando pouco tempo livre para viver a vida, conviver, concentrar-se no trabalho ou naqueles que realmente interessam como a família, amigos ou conhecidos. A vida vira uma prisão do saudável!»

A falta de capacidade de concentração em outros assuntos que não a comida, assim como a culpa que se sente quando é cometida uma “infração” na dieta são repercussões da doença.

O TRATAMENTO DO DISTÚRBIO
Quando questionada sobre se este será um transtorno alimentar fruto dos tempos modernos, a especialista concorda que «a nova “moda” do saudável por vezes pode tornar mais complicado separar a fronteira entre o que é razoável e o que é desmesurado ». Numa altura em que há pessoas a seguirem planos alimentares muito específicos, como dieta sem glúten ou lactose, por exemplo, um desvio comportamental pode ser mais difícil de identificar.

Lilian Barros explica que o papel do nutricionista é desdramatizar estas situações em consulta e não criar escravos de dietas. Antes, o especialista deve cultivar comportamentos que levam a que as pessoas saibam «gerir o consumo alimentar, vivendo confortável com essas mesmas escolhas, numa vida social equilibrada.»

Como em muitos transtornos alimentares, a ajuda de um profissional é normalmente fundamental e essencial. O tratamento, segundo a nutricionista, deve ser multidisciplinar: «O tratamento mais adequado neste tipo de situações deverá ser a psicoterapia e, em algumas situações, medicação. A parte nutricional entrará apenas em segundo plano. As equipas multidisciplinares em casos de distúrbios alimentares parecem ser as mais eficazes. As psicoterapias de grupo e familiares parecem ter retornos muito positivos na melhoria do estado destes doentes.»

A especialista ressalva que, apesar deste transtorno alimentar não ser tão conhecido, é importante não menosprezar o perigo que ele representa: «A pessoa irá precisar indubitavelmente de alguma intervenção profissional para ultrapassar o problema.»