16/12/2022 - 10:25
Após a derrota do Brasil na Copa do Mundo, o atacante Richarlison resolveu homenagear a si mesmo e a dois outros futebolistas brasileiros: estampou o próprio rosto, o de Neymar Jr. e de Ronaldo Fenômeno nas costas. A marca eterna viralizou nas redes sociais e trouxe dúvidas sobre a arte. Embora jogadores de futebol tenham ‘passe livre’ para marcar o corpo, a antiga tradição já não foi bem vista em outras áreas do mercado de trabalho, já tendo gerado casos de assédio e seguido para a Justiça. Com a chegada do verão e a tendência de aumentar a “decoração” dos corpos para desfile nas praias, vale se ligar.
Em abril deste ano, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-10) condenou uma empresa do Distrito Federal que obrigava a funcionária a cobrir suas tatuagens com fita adesiva. A indenização foi de R$ 14.275 e outros valores, por acusação de danos morais. Esse e outros casos podem ser ajuizados, já que não há legislação que impeça o trabalhador de tatuar o corpo.
“A aparência do empregado não tem impacto ou repercussão a priori na capacidade e desempenho da sua atividade profissional. Isso estaria circunscrito à esfera de individualidade, na esfera de personalidade e a forma que ele se apresenta”, defende Ciro Ferrando, professor do FGV Law Program da Fundação Getúlio Vargas. Ele acrescenta que há raras exceções no uso de tatuagem e vestimentas em ambiente de trabalho, como cozinheiros com cabelos longos e sem proteção em restaurantes, uso de acessórios grandes para quem trabalha em creches, por exemplo. Mas ainda assim, devem ser avaliados.
Mas a tatuagem por si só não pode ser um elemento usado para impedir a progressão funcional, impedir acesso ao emprego e/ou motivar seu desligamento. “Se, diante dessas características, houver discriminação; se o trabalhador de forma injustificada não tiver acesso a emprego ou tendo, fizer uma tatuagem e for desligado, isso sim configura atitude discriminatória”, endossa o advogado.
Flexibilização
Uma enquete feita com profissionais de Recursos Humanos pela Taqe, empresa de recrutamento e seleção, gerou o seguinte resultado: do total de 40 empresas: 85% responderam que “a minha empresa aceita, sem restrições, candidatos e colaboradores com tatuagem que fica à mostra”, seja no rosto, pescoço, antebraço, mãos e outras partes do corpo; 2,5% responderam que não contratam candidatos com tatuagem à mostra, e 12,5% responderam tem política clara sobre colaboradores que têm tatuagem corporal.
Para Denise Asnis, co-fundadora da Taqe, há alguns caminhos possíveis: “Podemos avaliar que, ou se foi o fato de empregadores terem percebido que não há coerência em uma mesma empresa atuar com campanhas de inclusão para cumprir cotas determinadas por lei e restringir outros aspectos como tatuados; ou se o fato de o mercado estar com carência de profissionais qualificados tornou as empresas mais flexíveis ao tema. Talvez ainda o período da pandemia trouxe mais liberdade. Mas hoje muitas empresas ditas como tradicionais, com culturas mais conservadoras, não restringem seus profissionais”, defende.
Resistência x Diversidade
Mesmo que em baixo número no mercado, há empresas que seguem querendo proibir a prática artística. “Nas empresas mais tradicionais, acredito que depende muito do segmento: na área de Saúde pode haver algum preconceito. Não que haja, mas é provável que exista”, avalia Letícia Molinaro, fundadora da Escola do RH.
Ela ressalta também que, nas Forças Armadas, por exemplo, muitas vezes a tatuagem não é bem vista. “Mas isso também já tem caído. Temos visto bastante integrantes com tatuagem nas Forças Armadas e cada vez mais a gente tem notícias de empresas que estão não só aceitando como fomentando esse tipo de arte na pele”, acrescenta Letícia.
A Cielo, empresa de recursos financeiros, é uma das empresas que se coloca nesse rol de ‘atuais’, optando pela diversidade no ambiente de trabalho. “Em hipótese nenhuma o gestor pode proibir que o funcionário tenha tatuagem. Seguimos a regra do nosso Código de Conduta sobre não discriminação, não importante quem ou como a pessoa seja ,defendemos e praticamos a ideia de diversidade e ambiente inclusivo. Na Cielo, inclusive, a maioria dos nossos colaboradores assumem funções de atendimento ao cliente e comercial, que trabalham nas ruas diariamente, e não temos nenhuma recomendação sobre tatuagem”, ressalta a empresa.
Com o boom do home office, a Cielo também avalia que, embora não tenha alterado sua visão sobre o uso de tatuagem entre funcionários, a modalidade do trabalho remoto trouxe a confirmação de seu uso independe do profissional. “Reconheço que, para algumas empresas, o home office provou que podemos trabalhar igual ou mais que presencialmente na empresa, e que não importa se tem ou não tatuagem, isso não define produtividade”, afirma Karla Woods, superintendente de Cultura, Atração e Seleção da Cielo.
E nas entrevistas de emprego?
Para a Catho, plataforma brasileira de classificados de empregos, expor tatuagem ou o seu piercing quando for participar de entrevistas de emprego pode ser uma ação que dependa muito do contexto da vaga, da empresa contratante e também da área de atuação do profissional. É comum em alguns segmentos a naturalidade no uso dos adornos, pelo fato de ser uma área mais popular no público profissional jovem, como nas áreas de Comunicação, Marketing e TI, por exemplo.
Porém, em áreas como Saúde, Direito, Finanças e Engenharia, tatuagens e piercings sofrem certa resistência, então, acima de tudo, é importante que o profissional avalie até que ponto carregar estes adereços impactará na sua carreira como um todo.
O que fazer em casos de perseguição e assédio?
Por lei, a empresa não pode ter restrição de gênero, raça, idade, qualquer tópico que fira ou gere discriminação, conforme a Constituição Federal. “Então, na verdade, quando há algum tipo de injustiça ou descriminação, ela é totalmente velada, não tendo a pessoa que está fazendo o processo seletivo como descobrir que sofreu esse tipo de preconceito”, explica a fundadora da Escola do RH.
Segundo a Lei 9.029, de 1995, “é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros”.
Ferrando explica que, nesses casos, quatro caminhos são possíveis. “Caso o funcionário se sinta ofendido ou assediado, há empresas que dispõem de canais de compliance. Como consta das regras gerais do compliance corporativo, o sigilo e a confidencialidade das denúncias devem ser garantidas ao máximo. Em paralelo, o empregado pode fazer denúncia ao Ministério Público do Trabalho de forma anônima, assim como pode denunciar Ministério do Trabalho e Previdência; por fim, pode, a depender da natureza do caso, levar ao sindicato”, finaliza o professor da FGV.