Roberto Campos (1917-2001) foi talvez o maior liberal-celebridade entre nossos liberais. Avô do presidente do Banco Central, ele curtia cargo público – foi servidor a vida toda, desde o governo Vargas, e ocupou cargos de ministro, embaixador, senador, deputado… Liberais brasileiros, né? Amam o dinheirinho garantido do Estado. E mesmo tendo ajudado a parir Petrobras e BNDES, virou símbolo do tal Estado mínimo. Ainda que carregasse questionáveis incoerências – defendia a pena de morte, o que é inconsistente com valores liberais de pensadores avançados –, sua entrevista de 1997 ao programa Roda Viva, produzido pela TV Cultura de São Paulo e retransmitido por emissoras públicas do país todo, deveria ser de consumo obrigatório pelo novo governo quando abrir a boca para falar de economia (tá no YouTube). Afinal, é melhor ouvir um Roberto Campos do que qualquer cara do Partido Liberal de Valdemar Costa Neto, ou mesmo do maior expoente do Novo, o bolsonarista Zema, assim como boa parte da equipe econômica, com nomes e pensamentos que fizeram o governo Dilma Rousseff naufragar. E acima de tudo ajudaria Lula a refletir mais e a jogar menos para sua claque petista ao atirar pedras na independência do BC ou no mercado, o tal mercado (s-o-n-o).

Da entrevista de Campos trarei quatro recados que talvez ajudem o presidente a demonizar menos um modelo que seu próprio ministro da Fazenda esboça seguir.

Desigualdade

Roberto Campos – “O problema da distribuição de renda (desigualdade) não é insolúvel. É fácil denunciar a má distribuição de renda, dizer que ela é injusta e nos mortifica diariamente. O difícil é perceber as causas e recomendar remédios. Geralmente o que se recomenda é mais ação do governo, é assistencialismo governamental. Mas como? Se a renda é tão mal distribuída no Brasil é em grande parte por causa do governo. Quais são os dois fatores mais presentes na distribuição de renda: primeiro a inflação, que durante muito tempo assolou a população brasileira, criando duas categorias de brasileiros: os com-moeda e os sem-moeda. E em segundo lugar, a falta de educação básica. Ambas são responsabilidade do governo. Mas o pessoal prefere culpar o mercado. O mercado não recomenda a inflação. Mercado prospera com estabilidade. E certamente o mercado não é responsável pela educação de base. O que se espera do mercado é a educação secundária e superior. O ensino custeado pelo Estado deve ser o da base. O resto deve ser partilhado ou mesmo entregue à iniciativa privada, protegendo-se os pobres através de bolsas de estudos. É a fórmula asiática. Os asiáticos gastam rios de dinheiro na educação básica. Agora, a educação superior, universitária, é principalmente privada.”

O previsível conflito entre o governo Lula e o Banco Central

Estado mínimo

Roberto Campos – “O Estado mínimo é um Estado voltado para suas tarefas clássicas. Essas tarefas clássicas são educação, segurança, justiça, relações exteriores e defesa. São as funções clássicas do Estado. Se o Estado tivesse recursos financeiros sobrantes e capacidade de gerenciar sobrante poderia considerar excursões em outras áreas. O problema é que o cobertor é curto e o talento ainda mais curto. Então, o que os liberais querem é que o governo se concentre nas suas tarefas fundamentais. E tarefas fundamentais que frequentemente não são mencionadas. Uma tarefa fundamental do governo é manter a concorrência, é preservar a competição. E o que que o governo brasileiro faz? Cria monopólios. Ele tem monopólios e quer criar reservas de mercado que são modalidades de monopólio. A outra responsabilidade do governo que é fundamental, indelegável, é a estabilidade monetária. O governo que não cumpre essas duas funções, preservar a concorrência e estabilizar a moeda, é um governo falido.”

Privatização

Roberto Campos – “Eu acho que a situação brasileira estaria muito melhor se nós não tivéssemos seguido a senda da expansão estatal. Um dos resultados da fúria estatizante que se apossou do governo Vargas em sua parte final foi que nós ficamos isolados da comunidade financeira e internacional. A partir de 1951, quando Getúlio Vargas fez o famoso discurso acusando as multinacionais de sangrarem o País pela remessa de lucros, a partir dessa época nós ficamos sem financiamentos do Banco Mundial até 1964. Só houve um financiamento nesse período. Furnas, e o Banco Mundial fez questão de afirmar que estava financiando o projeto, porém não endossando a política econômica brasileira que eles achavam profundamente irracional. Um país que vivia mendigando empréstimos recusar investidores de risco é uma coisa que não fazia sentido. Essa atitude intelectualmente absurda nunca foi aceita pela comunidade financeira internacional e o Brasil sofreu muito com isso. Foi até um milagre que o Juscelino tenha conseguido executar o seu programa com o apoio internacional. Porque ele mudou a mentalidade getulista e a os grandes projetos do governo Juscelino, o Plano de Metas, como a indústria automobilística que se conhece e a indústria de equipamentos elétricos pesados foram construídas com capitais privados, sobretudo europeus e japoneses.”

Inflação & Reformas

Roberto Campos – “Quais são os riscos? Há risco, sim, porque nós não resolvemos ainda o problema fiscal. E o problema fiscal não é solúvel por via fiscal. O problema fiscal brasileiro se soluciona por via patrimonial. Nós temos que liquidar os mega-ativos do governo para eliminar os megapassivos do governo. A situação brasileira é de uma gigantesca dívida interna, mas um bocado de patrimônio a vender. E nós temos de fazer as três reformas: fiscal, administrativa e previdenciária.”

Os pensamentos acima, de Roberto Campos, não são verdades acabadas. Mas ajudariam muito o presidente entender que as dinâmicas econômicas cada vez mais dependem menos de gritos & canetadas. Fernando Haddad parece já saber.