23/03/2023 - 11:01
Para surpresa de poucos, o Comitê de Política Monetária do Banco Central fixou a Selic, taxa básica de juros da economia brasileira, em 13,75%. Além do número já esperado – e desaprovado – pelo governo federal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda afirmou a preocupação maior com o relatório emitido pelo órgão financeiro. Para ele, o tom do comunicado foi amedrontador, já que o Copom apontou a possibilidade de novas altas dos juros, se necessário.
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“No momento em que a economia está retraindo, o Copom chega a sinalizar uma subida da taxa de juros. Lemos com muita atenção, mas achamos que realmente o comunicado preocupa bastante”, declarou Haddad. Ainda nesta quarta-feira (22), o governo divulgou estimativas que, segundo Haddad, apontam aumento nas receitas e redução do déficit primário em relação ao valor sancionado no Orçamento.
Para Haddad, a divulgação do relatório demonstra o compromisso do governo em equilibrar as contas públicas. Segundo ele, essa seria uma razão para o BC começar a flexibilizar a política monetária, em vez de endurecer o tom no comunicado.
“O governo aguardava por um aceno de que a ata pudesse sugerir que nas próximas reuniões houvesse uma disposição em reduzir a taxa. Da maneira como foram divulgadas as decisões, foi um banho de água fria nas pretensões do governo, que acreditava em uma ‘trégua’ entre a pressão política que o governo faz para a queda da taxa de juros, além da visão de mercado e uma necessidade de definição sobre a atual incerteza fiscal, já que não se conhece a regra a ser praticada até o momento”, avalia Gilberto Braga, professor de economia do Ibmec RJ.
Impacto do déficit público
No relatório, o Copom destacou a “incerteza sobre o arcabouço fiscal e seus impactos sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública” como outro dos fatores que pesaram sobre a manutenção da Selic em 13,75%.
Para o governo, o tema do déficit é sensível. “Uma taxa Selic mais alta faz com que o custo da dívida fique mais caro; a relação entre a dívida pública é que a Selic, como básica, é o referencial de partida para as taxas de economia, inclusive para os títulos públicos federais. Isso afeta, por exemplo, o tesouro direto, emissão de captação pública, e de fato gera custo mais caro, pesa ao governo”, explica Braga.
BC prevê juros mais altos, mas governo diz que cenário não se apresenta inflacionário
Uma das maiores decepções com a nota do BC para o governo foi a expectativa de aumento de juros para os próximos dois anos; os dados, no entanto, mostram que itens como serviços seguem com preço inflacionado.
Impulsionados pelo aumento da demanda e pelo repasse de custos, ambos reprimidos no auge da pandemia, os preços no setor de serviços deram um salto neste início de ano. Em fevereiro, a inflação de serviços descolou do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 0,84%, e subiu 1,41%. A alta foi mais do que o dobro da de janeiro (0,6%) e a maior marca mensal em quase 20 anos.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) fechou o mês de fevereiro em 0,77%. O percentual é maior que o de janeiro, quando o índice ficou em 0,46%.
Haddad e Campos Neto: ministro tentou apaziguar os ares entre BC e Lula?
Algumas atitudes de Haddad sinalizam tentativa de acalmar os ânimos entre o BC e Lula. Reuniões a portas fechadas, almoço harmônico com a presença da ministra Simone Tebet, entre outros encontros. A parte disso, Lula segue em uma série de episódios, com entrevistas e discursos, criticando as decisões de Campo Neto.
O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola avalia que a disputa travada pelo governo contra a condução da política monetária é “um tiro no pé”. Ele diz que uma maior confiança na política fiscal abriria espaço para a queda da taxa básica de juros.
“A relação de Campos Neto com o governo vai variando e aparentemente não é boa com a ala política do governo Lula. Mas Haddad tem tido postura de tentar apaziguar ânimo e feito esforço hercúleo e com algum sucesso para ganhar confiança dos investidores e da Faria Lima, mas também com postura técnica, que facilita interlocução com Campos Neto. Mas essa relação de respeito e de consideração ainda não evoluiu para que o BC adote postura mais próxima e alinhada com o que o governo deseja para a economia”, avalia o professor do Ibmec RJ.
Críticas do governo seriam exagero?
“Ao nosso ver, um pouco: primeiro, advém de preocupação, pois embates entre instituições não são bons para o momento e podem causar mais estragos que benefícios. Uma das principais missões do BC é justamente o controle da inflação, e ele segue avisando os motivos e suas preocupações. Uma inflação descontrolada seria muito, mas muito pior. Um dos principais é a tal divulgação do marco fiscal, que ficou para abril”, afirma Rafael Zuanazzi, sócio e advogado da Russell Bedford Brasil.
Já para Braga, não há exagero no discurso de Haddad; mas o que pode ocorrer é que a pressão política fique maior em cima do Banco Central e do Copom.
“Daqui a 45 dias, na próxima reunião, teremos um embate semelhante ao que tivemos agora. Essa ideia de que o ambiente externo se deteriorou faz com que mais fatos possam ser considerados nessa decisão. É provável que nos próximos dias, o ambiente não fique tranquilo, seja na discussão de juros ou ambiente internacional”, diz o professor, que afirma que a regra fiscal também ainda deve mudar os rumos do embate BC-governo.
“Uma das coisas que o ministro Haddad disse é que o Brasil tem a inflação mais controlada em relação ao resto do mundo e a verdade é que ele está absolutamente correto nisso, do ponto de vista factual. O Reino Unido, por exemplo, tem uma inflação muito maior do que a nossa. Assim como outros países do G20”, diz Tiago Feitosa – professor consultor de valores mobiliários da T2 Educação.
“Mas o impacto que a taxa de juros tem na inflação representa o custo do dinheiro. Quanto maior a taxa, mais caro fica o crédito. Fica caro o capital para as empresas e dificilmente elas vão investir para crescer, gerar emprego e renda. A taxa de juros alta tem um grande impacto na diminuição dos consumos e investimentos e isso influencia diretamente na redução da inflação”, finaliza Feitosa.
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