Com a promessa de um atendimento especializado para cada dependente químico, e com a parceria de igrejas, o governo de São Paulo lançou na terça-feira, 11, o Hub de Cuidado em Crack e outras drogas no Bom Retiro, região central da cidade. A cerimônia de entrega do equipamento contou com a participação do vice-governador do Estado, Felício Ramuth (PSD), o prefeito Ricardo Nunes (MDB), políticos e representantes de entidades religiosas e comunidades terapêuticas. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) não compareceu ao evento.

A unidade, que funcionará como uma porta de entrada para o encaminhamento a outros serviços de tratamento contra a dependência química, pretende ampliar as ações de acolhimento aos usuários de drogas da cidade, sobretudo aos que vivem no Centro, local onde a Cracolândia está instalada.

Para isso, o vice-governador promete um atendimento aos adictos em que seja “respeitada a singularidade de cada um”, e reforçou que, além dos equipamentos municipais especializados em saúde mental, como Caps (Centro de Apoio Psicossocial), os pacientes também poderão ser direcionados para grupos de ajuda mútua, como narcóticos anônimos, e também para comunidades terapêuticas.

“Aqui (no Hub) será oferecida uma linha de cuidados ampla, atendimento através dos Caps, grupos de mútua ajuda, das comunidades terapêuticas e internação em hospitais gerais e psiquiátricos”, disse Ramuth. “O próprio nome ‘Hub’ já mostra a integração de várias entidades”.

O hub será administrado pela SPDM, uma organização social (OS) de natureza privada, e contará com 380 profissionais especializados em dependência química, 40 leitos sociais e 20 leitos de internação, informou o vice-governador.

A unidade já está funcionando desde o último dia 6, no mesmo endereço onde operava o antigo Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas).

Contratadas por meio de edital, as comunidades terapêuticas, ligadas a igrejas, vão oferecer 700 vagas para o acolhimento dos dependentes químicos, segundo Ramuth. O vice-governador disse que o trabalho dessas instituições será fiscalizado, mas não conseguiu lembrar o nome da empresa responsável pela gestão e contratação das entidades.

O prefeito Ricardo Nunes disse que as abordagens serão mais desafiadoras nos casos de pessoas que estão há mais tempo no mesmo local consumindo a droga. Ele citou uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que mostra que 39% dos usuários estão há mais de 10 anos na mesma cena de uso, e 53% há mais de cinco anos.

“Vamos ter uma ação muito mais complexa para convencê-los a um tratamento do que as pessoas que estão a menos tempo”, disse Nunes. O prefeito ainda projetou a necessidade de cuidados com a nova droga K9, cujo consumo tem crescido na capital nos últimos meses. “É uma nova realidade”, disse.

Sobre as internações compulsórias, o vice-governador respondeu que “não é o principal tema” das políticas de combate ao uso de drogas do governo, e que abordagens desse tipo vão depender de um relatório clínico fornecido por um médico e também “com anuência da Justiça”.

No evento, Ramuth anunciou também que o governo de São Paulo pretende instalar, no Centro, 500 câmeras de segurança inteligentes com capacidade de fazer reconhecimento facial. O objetivo é aumentar a segurança da região, diz o vice-governador. A área de abrangência dos equipamentos, segundo ele, será de 7,5 quilômetros quadrados.

Protesto

Durante o evento de lançamento do hub, servidores que atuavam no extinto Cratod fizeram uma manifestação contrária ao governo. Eles seguravam faixas com mensagens se opondo à privatização dos equipamentos públicos de São Paulo.

“Agora, eles vão fortalecer as comunidades terapêuticas. Há um departamento de comunidades terapêuticas e será para esse departamento que os pacientes vão. O tratamento vai deixar de ser humanizado”, disse o agente técnico de saúde Fabiano Siqueira, um dos manifestantes.

Ele era servidor e trabalhava no centro de referência há 18 anos. O Cratod foi extinto por meio de decreto nesta terça-feira, e uma nova equipe de profissionais foi contratada pela SPDM para trabalhar na unidade.

Especialista vê avanços, mas faz alerta sobre falta de prevenção

A pesquisa citada por Ricardo Nunes em sua fala na cerimônia foi desenvolvida pela pesquisadora Clarice Madruga, coordenadora do Levantamento de Cenas de Uso de Capitais (Lecuca), da Unifesp. Ela também compareceu à entrega do hub no centro de São Paulo.

Ao Estadão, Clarice diz que as ações anunciadas pelo atual governo apresentam avanços em relação às gestões passadas no que compete ao tratamento dos dependentes químicos. De com a pesquisadora, isso vai permitir, em tese, uma ação mais integrada e aproximada das áreas de saúde e assistência social.

Nas outras gestões, havia um extremo que só via a parte social e depois outro extremo que só via saúde, diz a pesquisadora. A recuperação da dependência química não pode ser olhada de maneira avulsa, diz a pesquisadora, que defende ações contínuas e de longo prazo para evitar que, após o tratamento e reinserção, os pacientes retomem o consumo das drogas.

Clarice Madruga alerta, porém, sobre a falta de medidas de prevenção no plano nas políticas apresentadas pelo governo. “Continua um grande buraco que é o que vai ser feito para que não haja mais frequentadores entrando na cena de uso”, diz a especialista. “Eu queria saber o que essa estratégia está considerando para a prevenção e para reduzir o influxo de novos frequentadores. Isso é fundamental e parece que ainda falta”, afirma.

Ela afirma também que o acolhimento aos usuários, independente por qual serviço seja, precisar ser feito seguindo as diretrizes estabelecidas pela governo. E diz ainda que há risco dessas diretrizes deixarem de ser seguidas por algumas comunidades terapêuticas que, ligada às igrejas, poderiam desrespeitar os direitos daqueles que serão direcionados a esses espaços.

“É necessário saber como vão fazer um monitoramento que garanta que nenhum indivíduo seja encaminhado para algum serviço que não segue as diretrizes esperadas para o serviço de acolhimento social, seja religioso ou não”, afirma a pesquisadora.