17/04/2023 - 20:32
Por Tim Hepher e Juliette Jabkhiro
PARIS (Reuters) – Um tribunal francês inocentou nesta segunda-feira a fabricante europeia de aviões Airbus e a Air France da acusação de “homicídio involuntário”, despertando a ira das famílias de algumas das 228 vítimas da queda de um avião em meio à tempestade no Atlântico, há quase 14 anos.
A decisão segue um julgamento público histórico sobre a queda, em plena escuridão, do voo AF447, quando fazia a rota do Rio de Janeiro para Paris, em 1º de junho de 2009, e encerra uma batalha das famílias para estabelecer responsabilidade criminal sobre o pior desastre aéreo da França.
Ao anunciar o veredito, a juíza Sylvie Daunis, de Paris, listou quatro atos de negligência da Airbus e um da Air France, mas disse a um tribunal lotado que eles não são suficientes, sob a lei penal francesa, para estabelecer um vínculo definitivo com a queda do A330.
“Um provável nexo causal não é suficiente para caracterizar um delito”, disse a juíza em sua declaração de 30 minutos, que marcou o fim do primeiro julgamento por homicídio involuntário corporativo na França.
Ela disse que ambas as empresas ainda são responsáveis civilmente pelo reparo dos danos causados pelo acidente e agendou uma nova audiência para 4 de setembro para tratar de algumas reivindicações pendentes.
As famílias receberam a sentença quase que em silêncio total após um julgamento às vezes tempestuoso, realizado no final do ano passado, que durou nove semanas.
“Nossos entes queridos morreram pela segunda vez. Eu me sinto mal”, disse Claire Durousseau, que perdeu a sobrinha no acidente.
Segundo a liderança da principal associação de famílias, eles estavam “arrasados e sobrecarregados” com a sentença, que seguiu um caminho jurídico “caótico” que se estendeu por mais de uma década.
“O perdedor, em primeiro lugar, é a Justiça francesa”, disse Danièle Lamy, presidente da associação de parentes das vítimas do AF447, a jornalistas no tribunal de Paris.
No Brasil, Nelson Marinho, da associação de parentes das vítimas do voo 447, informou que vai recorrer da decisão. “É um desrespeito com os parentes das vítimas que choram até hoje a perda de seus entes”, disse ele à Reuters.
Nelson perdeu seu filho de 40 anos que atuava no setor de petróleo e gás e tinha como destino final Angola, com escala em Paris.
Ele já entrou em acordo financeiro com a empresa para receber a indenização, mas disse que “nada pagará” a perda do filho. “Até hoje muita gente não fez acordo e não se recuperou”, acrescentou.
Ambas as empresas se declararam inocentes das acusações, para as quais a multa máxima é de 225.000 euros. Fontes dizem que também houve alguns acordos por valores não revelados.
Em declarações separadas após o veredito, ambas as empresas expressaram condolências aos parentes e disseram que continuam totalmente comprometidas com a segurança da aviação.
REIVINDICAÇÕES CIVIS
O desastre do AF447 está entre os mais debatidos na aviação e levou a uma série de mudanças técnicas e de treinamento.
Depois de uma busca de dois anos pelas caixas-pretas do A330 usando submarinos remotos, os investigadores civis franceses descobriram que os pilotos responderam de modo desastroso a um problema envolvendo sensores de velocidade congelados e caíram em queda livre sem responder aos alertas de perda de sustentação.
Mas o julgamento também destacou discussões anteriores entre a Air France e a Airbus sobre problemas crescentes com “tubos de Pitot” externos que geram as leituras de velocidade.
(Reportagem adicional de Rodrigo Viga Gaier)