18/04/2023 - 7:02
A intensa agenda de viagens internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início de seu terceiro mandato busca, além de reinserir o Brasil no mapa global após o isolamento da gestão Jair Bolsonaro, ampliar os mercados para os produtos brasileiros. No entanto, para muitos analistas, o maior problema para o avanço das exportações do país é interno: a baixa produtividade industrial.
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Embora seja uma potência mundial agrícola, ambiental e energética, na indústria o país anda com o freio de mão puxado. A produtividade sofre queda há 21 anos, os investimentos da indústria da transformação recuam há 17 anos, e os manufaturados exportados pelo Brasil respondem por fração mínima do comércio global.
O atual governo federal sinaliza ser a favor da reindustrialização do país, mas a estratégia para alcançar esse objetivo ainda não ficou clara. Algumas opções na prateleira são incentivos à inovação, abertura comercial e políticas industriais, cuja aplicação provoca conflito de interesses e de modelos econômicos.
Esse debate aparece nos títulos dos mais recentes trabalhos sobre o tema, como À Beira da Extinção, sobre o declínio da produtividade, e A Hora e a Vez da Produtividade, quanto à emergência de uma trajetória superior. O primeiro é do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), no Rio, e o segundo, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), em São Paulo. Complementares, trazem estatísticas, cenários e recomendações sobre como encarar o problema.
Produtividade em queda
A produtividade mede o quanto de valor em bens e serviços uma empresa consegue criar com as máquinas e trabalhadores que tem à disposição. Se ela consegue aumentar o valor do que produz com os mesmos recursos, sua produtividade cresceu. Se o valor criado cai, ou se é necessário usar mais pessoas ou máquinas para produzir o mesmo valor, a produtividade caiu.
Diferentes fatores influenciam a produtividade, como tecnologia, capital humano, inovação, ambiente de negócios, educação e gestão. E aumentar a produtividade contribui para o crescimento econômico e a redução das desigualdades sociais.
Na indústria brasileira, a produtividade cai sistematicamente há mais de duas décadas. “Ela é hoje 80% do que foi no início da década retrasada. Com isso, perdemos mercados externos e até domésticos, para importações”, afirma o economista Cláudio Considera, um dos autores do estudo do FGV Ibre.
Nesse processo, a indústria brasileira desidratou e perdeu peso nas exportações. O setor respondia por três quartos do total exportado (74%) pelo país em 2005, em 2021 por menos da metade (48%). Trajetória semelhante ocorreu na participação do Produto Interno Bruto (PIB): se a indústria respondia por 36% dele em 1985, em 2021 sua parcela era de 11%.
“O pior de tudo é que isso não é uma coisa simples de recuperar, não vai ser de uma hora para a outra. Vai exigir foco muito grande em tecnologias, estímulos para as empresas ampliarem a produtividade. Não vai ser subsidiando a indústria como se fez no passado, ou apostando em áreas nas quais o país não tem vantagem comparativa”, afirma Considera. Ele reforça a necessidade de aumentar a competitividade com tecnologia moderna e, em conjunto com as universidades, inovar e aprimorar a tecnologia adquirida.
De forma geral, a produtividade brasileira representava metade (46%) da americana na década de 1980, e encolheu à metade (25%) no início da década atual, conforme dados apresentados pelo IEDI.
Ambiente desfavorável
O que torna a produtividade tão baixa no país? Para Rafael Cagnin, economista do IEDI, ela não é colocada como prioridade máxima na atual estrutura econômica brasileira. “O ambiente é desfavorável ao investimento e estamos pouco integrados no mundo. Como efeito, o ambiente competitivo não é renovado”, diz.
A sucessão de crises e desequilíbrios na economia brasileira e o baixo crescimento também desestimulam o investimento. Melhorias na atividade econômica andam junto com o crescimento do investimento, que amplia a produtividade.
Cagnin observa que a baixa produtividade não é homogênea no país: empresas médias têm 40% da produtividade das empresas grandes. E entre o setor formal e informal, a assimetria da produtividade é ainda maior. Empresas formais são quatro vezes mais produtivas do que as informais. Essa diferença chega a oito vezes no caso da indústria, que é mais formalizada.
Há também assimetrias regionais e quanto ao grau de conexões ao mercado internacional, além do patamar de formalidade e do porte das empresas. Negócios menores, por exemplo, têm mais dificuldade em levantar financiamentos do que companhias maiores.
“O problema nosso está em que a indústria tem produtividade declinante. Interfere no que devia ser um processo construtivo de busca de maior produtividade para a própria indústria através da abertura econômica. O grande desafio da política externa é de natureza interna”, afirma José Alfredo Graça Lima, vice-presidente do conselho curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e diplomata aposentado.
Importar mais barato, com gradação de tarifas, implicaria exportar mais – e exigiria período de adaptação de diferentes setores industriais por algum tempo. Mesmo para amplificar e diversificar a pauta de exportações para a China, a produtividade industrial seria crucial, avalia Graça Lima.
Competitividade na exportação
O debate sobre a reindustrialização é parte da agenda do atual governo.”A reindustrialização é essencial para a retomada do desenvolvimento sustentável”, disse o vice-presidente Geraldo Alckmin, ao assumir o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e anunciar também a criação da secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria.
O governo sabe que as manufaturas brasileiras representam fração não mais que 0,5% do valor comercializado globalmente, e que o segmento no mundo tem peso sete vezes maior do que as transações internacionais de bens agrícolas. Na viagem recente à China, o governo brasileiro voltou a falar em reindustrialização, em parceria com o capital do país asiático.
As empresas que exportam têm uma motivação para investir em produtividade: a concorrência. Se parte expressiva da indústria da transformação não tem a produtividade necessária para competir no mercado internacional, o país tem exportadores, em regra de maior porte, que estão na primeira linha das transações internacionais.
É o caso de uma exportadora agroindustrial de médio porte. A CRAS Brasil tem 80% do faturamento de meio bilhão de reais em vendas externas de óleo de amendoim, a maior parte para a China. A empresa investe desde em tecnologia para melhoramento genético até a modernização da unidade fabril. Em 2018, utilizou R$ 30 milhões na aquisição e transformação do parque fabril.
“Quando você exporta, você concorre com o mundo. É preciso estar sempre preparado na questão da eficiência e da produtividade, mas também na qualidade”, diz o CEO Rodrigo Chitarelli, listando certificações internacionais do produto.
“O processo de reindustrialização ou revitalização industrial do Brasil não tem bala de prata. É preciso atuar em mais de um nível, em mais de uma esfera e precisa de muita articulação”, afirma Cagnin, do IEDI. “Vamos ter de reaprender a fazer isso. Não é o caso de jogar a toalha. Mas tem trabalho pela frente e pessoas que queiram dialogar.”