28/04/2023 - 11:07
Planos do atual governo brasileiro de regulamentar as apostas esportivas online, com o objetivo de aumentar a arrecadação de impostos, reavivaram outra discussão: sobre a ilegalidade dos jogos de azar no país.
No último dia 20 de abril, em discurso em Londres, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que a regulamentação das apostas esportivas pode ser uma alternativa para “arrecadação sustentável”. “Existe em todos os lugares do país, em todas as cidades do Brasil, e nós não regulamentamos”, afirmou.
A regulamentação de empresas que oferecem apostas esportivas online, modalidade não incluída pela legislação brasileira na categoria jogos de azar, deverá ser feita via medida provisória, mas o governo ainda não deu um prazo para editá-la. Permitida por lei desde 2018, a atividade ainda não foi regulamentada e, portanto, não é taxada de forma devida.
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Quanto aos jogos de azar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já se declarou favorável à sua legalização. Em fevereiro do ano passado, inclusive, a Casa aprovou no plenário o Projeto de Lei 442/1991, que prevê a liberação e a taxação de cassinos, roletas, bingos e jogo do bicho.
A proposta, no entanto, travou no Senado. A resistência vem principalmente da bancada evangélica, que articulou uma frente parlamentar contra os jogos de azar e também já se posicionou contra a regulamentação das apostas esportivas.
“Loteria de prognóstico” x “jogo de azar”
De acordo com especialistas jurídicos consultados pela DW, há uma diferenciação na legislação brasileira que pode dificultar, pelo menos a princípio, a legalização dos jogos de azar – vetados no país desde 1946, num decreto do governo Gaspar Dutra.
No caso das apostas esportivas, com as quais o Ministério da Fazenda prevê arrecadar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões por ano com impostos, a lei 13.756, aprovada em 2018, no governo Michel Temer, legalizou a prática e abriu caminho para a regulamentação. A lei tipificou a modalidade como “loteria de prognóstico esportivo”, definindo-a como “loteria em que o apostador tenta prever o resultado de eventos esportivos”.
A prática também é conhecida como aposta de cota fixa, pois o apostador sabe o valor que vai receber se acertar o palpite, que pode ser a vitória de um time, o total de gols marcados ou o número de cartões vermelhos, por exemplo.
Como explica o jurista Marcelo Crespo, especialista em Direito Penal e Digital e coordenador do curso de Direito da ESPM, por trás da diferenciação em relação a jogos de azar, está o argumento de que existe uma “técnica, baseada em estatísticas”, que não deixaria o apostador dependente apenas da sorte, como em uma roleta, por exemplo.
“É um jeito organizado e político de se focar um ponto [das apostas esportivas] e deixar o resto [jogos de azar] para outra discussão”, pontua Crespo.
“A rigor, a Constituição não proíbe o jogo de azar, tanto que conseguimos estabelecer loterias ou títulos de capitalização, o que não deixa de ser um jogo de azar”, acrescenta.
Legalizadas em 1967, a loterias são monopólio do Estado brasileiro e devem ter os recursos revertidos para áreas sociais, como a saúde.
Bilhões movimentados em apostas clandestinas
Na lei de 1946 que proibiu os jogos de azar no país, o argumento utilizado pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra foi de que a repressão à atividade “é um imperativo da consciência universal” e presente na “legislação penal de todos os povos cultos”. Hoje em dia, porém, apenas três países do G20 proíbem cassinos: além do Brasil, Arábia Saudita e Indonésia têm leis nesse sentido.
Segundo dados do Instituto Jogo Legal, que advoga pela regulamentação do setor, só o jogo do bicho movimenta, por ano, R$ 12 bilhões em apostas clandestinas. É um número bem menor que os cerca de R$ 100 bilhões estimados nas plataformas de apostas online, mas que poderia ser revertido não só em impostos, mas também em outorgas para o funcionamento de cassinos.
No projeto de lei que autorizaria o jogo de azar, aprovado na Câmara, estão previstas licenças permanentes ou temporárias para a exploração de cassinos, com cada Estado podendo ter um desses empreendimentos – as exceções são Minas Gerais e Rio, com dois cada; e São Paulo, com três.
Para Carlos Daniel Neto, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP, é possível que o tema da legalização dos jogos de azar entre na pauta após o avanço da regulamentação das apostas eletrônicas.
“Havia propostas de alguns estados brasileiros mais pobres para liberar e criar assim um turismo de aposta para aqueles lugares. Um exemplo é Las Vegas, no meio do deserto de Nevada, mas um lugar de muito dinheiro porque criou esse tipo de turismo”, explica Neto.
Discussão jurídica
No Brasil, as punições para quem explora jogos de azar em locais públicos são brandas, no que é chamado de contravenção penal, podendo levar a até três anos de prisão. Ou seja, os jogadores não são considerados infratores.
“Quando falamos em regularização de jogos de azar, basicamente falamos de questões morais e éticas de quanto o jogo pode viciar ou ser prejudicial e, em segundo lugar, se tem aspectos econômicos”, diz Marcelo Crespo, da ESPM, que lembra a questão das loterias.
“Então, temos formas de fazer jogos, porque a Constituição não proíbe. O que proibiria é a ética, a moral, a prática de crimes, o quanto isso pode incentivar a lavagem de dinheiro, por exemplo”, afirma.
Para Diego Frantz, professor de Direito Constitucional da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), do Rio Grande do Sul, assim como no caso das apostas esportivas, a autorização da exploração de jogos de azar no país também criaria formas de controle, inclusive por meio de agências regulatórias.
“Todos os jogos seriam passíveis de controle, de transparência, de serem auditados e, assim, de se assegurar uma segurança quanto à integridade do resultado”, diz.
“Me parece que a prática de jogos é fato. Não podemos dizer que ele não existe. Com essa discussão, podemos trazer isso para de fato uma legalidade, com uma regulamentação devida com controle, o que gera segurança para todas as partes envolvidas, além de mais arrecadação”, acrescenta.