27/05/2023 - 11:24
Para o consumidor alemão, ida ao supermercado não está tão traumatizante como para outros europeus. Analistas concordam que o pico inflacionário passou. Mas não encorajam esperanças de um retorno aos preços pré-pandemia.Os alemães aplicam uma parcela menor de sua renda em alimentos do que a maioria dos europeus – um fato que nem mesmo as distorções do mercado causadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia conseguiram mudar fundamentalmente. Ainda assim, os cidadãos mais pobres, que gastam uma fatia considerável de sua renda com comida, sempre tiveram que se apertar aqui e ali na caixa do supermercado.
Em meses recentes, contudo, até os relativamente mais abastados experimentam uma certa angústia ao fazer compras. Por exemplo, com o preço de sua tão adorada manteiga irlandesa: no começo de 2023, no ápice da inflação, o custo de um pote de 400 gramas havia saltado para 4,99 euros (R$ 26,75).
Nas últimas semanas, porém, os preços vêm caindo novamente no país, e a manteiga da Irlanda está custando 4,29 euros, quase o mesmo que antes da pandemia. A manteiga nacional é bem mais barata: por 250 gramas da marca própria dos supermercados mais econômicos paga-se até 1,49 euro. A tendência é semelhante para o queijo e as massas.
O Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW) também registrou um recuo inflacionário: “Provavelmente atingimos o pico da infação. Começou a reversão da tendência”, comenta Kerstin Bernoth, da rede jornalística Redaktionsnetzwerk Deutschland (RND).
Contudo não se deve contar que tudo ficará mais barato: “Tudo o que isso que quer dizer é que os preços não continuarão a subir. Temos que nos acostumar com os atuais”, adverte a jornalista. Agora os consumidores precisam ter paciência, confiando que “os preços vão se estabilizar mais baixos no longo prazo”.
Cedo demais para relaxar
Kai Hudetz, diretor-gerente do Instituto de Pesquisa do Comércio Varejista (IFH) de Colônia, mostra-se menos otimista, enfatizando que as razões para o encarecimento continuam pertinentes.
“Os custos de energia, logística e matérias primas catapultaram, provocando uma reação em cadeia. Todas as companhias ao longo da cadeia de valor tiveram e continuam tendo que enfrentar custos crescentes.”
Muitos desses custos adicionais, porém, já foram repassados para o consumidor. Portanto “as taxas de inflação são no momento mais baixas, e é possível haver pelo menos reduções seletivas de preços”. Mas ainda se está longe de poder declarar um “fim da inflação”, já que os preços continuam subindo em mais categorias de produtos do que baixando.
“Alguns fabricantes anunciaram aumentos de preços, que os varejistas terão que repassar, devido a suas margens de lucro reduzidas. Os acordos salariais comparativamente elevados também contribuem para a tendência ascendente dos preços”, justifica o diretor do IFH.
Peso dos quatro grandes varejistas tem limite
Um dos motivos para os preços de alimentos relativamente baixos na Alemanha é a competição acirrada entre alguns dos grandes varejistas da Europa. Os maiores do país, Rewe, Edeka, Aldi e Lidl, brigam por sua fatia do mercado e utilizam seu poder quase monopolista para forçar os fornecedores a baixarem cada vez mais os preços.
O diretor executivo da Lidl, Christian Härtnagel, explicou recentemente à agência de notícias DPA: “Conhecemos as tendências dos mercados de matérias primas, sabemos mais ou menos que custos de pessoal e energia cada produto envolve. E fazemos todo o possível para ter sucesso nas negociações, a fim de repassar ao consumidor.o melhor preço possível.”
Sua empresa quer “reagir rapidamente” se houver uma distensão no mercado de alimentos, como no caso do barateamento da manteiga, massas ou queijo, porém Härtnagel desencoraja qualquer esperança de uma reviravolta veloz e abrangente nos preços.
Hudetz, do IFH, confirma que no momento os preços “só estão baixando em casos isolados, e isso, muito ligeiramente”. O que os consumidores alemães estão vendo são “principalmente preços de promoção” e descontos sobre frutas e legumes “devido a fatores sazonais”.
Também para analistas de mercados, um retorno aos níveis pré-pandemia levará muito tempo, se é que chegará. O poder de mercado dos quatro grandes varejistas poderá fazer os preços ao consumidor subirem na Alemanha bem menos do que em outros países, mas nem mesmo esses campeões dos descontos poderão evitar os aumentos dentro de suas companhias ou por parte dos abastecedores.
A inflação chegou para ficar, sentencia Kai Hudetz, descrente de um retorno ao estado de antes de 2020: “Vamos ter que nos acostumar com preços mais altos de alimentos, pelo menos no curto e médio prazo.”