Com um público vasto composto principalmente por jovens (16 a 34 anos), o mercado de games movimenta bilhões de dólares no mundo e cada vez mais se associa a outros setores para além do entretenimento. Buscando estimular a área no Brasil, foi criado o Projeto de Lei 2796/2021, que busca estabelecer o marco legal para a indústria de jogos eletrônicos. Aprovado no final de 2022 na Câmara dos Deputados, o PL encontra-se agora em tramitação no Senado Federal aguardando votação.

Resumo

  • O Brasil é o maior mercado de games da América Latina e o 10º no mundo em receitas;
  • O Projeto de Lei 2796/2021 (marco legal dos games) cria segurança jurídica para investimentos e estimula a formação de mão de obra;
  • O PL reconhece que os jogos eletrônicos têm usos para além do entretenimento em áreas como saúde, educação e treinamento;
  • Há, no entanto, críticas ao projeto especialmente no que diz respeito à definição do que são jogos eletrônicos;
  • Os games se inserem no setor conhecido como “Economia Criativa”, que engloba áreas como artes, moda, música e cinema.

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Mercado de games

 O PL é importante especialmente no contexto brasileiro, já que o país é o maior mercado de games da América Latina e o 10º no mundo em receitas. Segundo a Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2022–2026 – Inovação e crescimento em um novo cenário competitivo, o mercado global de jogos eletrônicos deverá faturar cerca de US$ 260 bilhões em 2023, chegando até US$ 321 bilhões até 2026.

O ecossistema de jogos digitais engloba de grandes estúdios de desenvolvedores até profissionais autônomos, incluindo provedores de serviços especializados (consultorias, empresas de localização, testes e qualidade de software, produtoras de trilha sonora etc.), empresas de apoio (publicadoras, distribuidoras), institutos de ensino para a formação profissional, investidores, associações empresariais e profissionais.

No Brasil, a receita total de videogames e e-sports foi de mais de US$ 1,6 bilhão em 2022 e deverá ultrapassar US$ 2,8 bilhões até 2026. Embora o país tenha um enorme mercado consumidor, o setor é dominado por poucos concorrentes, especialmente China, EUA, Japão e Coreia do Sul.

“Apesar de estarmos evoluindo nos últimos dez anos com algumas políticas públicas e a iniciativa da Abragames com a ApexBrasil (Brazil Games), que ajuda pequenos estúdios a crescerem e a terem contato com grandes empresas do mundo todo, ainda temos um longo caminho. A indústria de games se desenvolveu pelas próprias pernas e contou com muito pouco estímulo público. Chegamos aqui através de incentivos privados e graças ao enorme banco de talentos que temos no país”, afirma Rodrigo Terra, presidente da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames).

Segundo ele, é preciso avançar com maiores investimentos em estúdios e empresas, na profissionalização da mão de obra e no incentivo para que os profissionais já existentes aqui continuem trabalhando no país. “A iniciativa privada tem um papel importantíssimo, mas precisamos de um aumento da presença do poder público. Ele tem uma função indutora e fundamental no ecossistema que vai desde incentivos a pequenas empresas até a criação de um ambiente saudável de negócios”, explica.

“Investidores não aportam recursos na indústria de games ou investem capital abaixo do que poderiam por incertezas decorrentes da falta de regulamentação, especialmente por pensarem que eventualmente alguma atividade relacionada aos games pode ser proibida ou restringida por autoridades públicas, por confusão com jogos de azar”, avalia o presidente da Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS), Rafael Marcondes.

Principais pontos do PL

Buscando criar um cenário econômico propício para o setor de games no país, o projeto de lei discute, entre diversas questões:

  • Regular tanto os “jogos eletrônicos”* quanto os “jogos de fantasia” (“fantasy sports” em inglês, ou seja, as disputas em ambiente virtual feitas a partir do desempenho de atletas em eventos esportivos reais);
  • Regulamentar a fabricação, importação, comercialização, desenvolvimento dos jogos eletrônicos e de serviços de entretenimento vinculados aos jogos de fantasia;
  • Incentivar a formação de mão de obra qualificada no Brasil, por meio da criação de cursos técnicos, oficinas de programação para os jovens e estímulo à pesquisa;
  • Estabelecer diretrizes gerais para o fomento pelo Estado.

Para Pedro Henrique Ramos, advogado e professor de Direito Digital no Ibmec SP, a principal contribuição do projeto é fazer com que investimentos em jogos eletrônicos sejam considerados investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) para fins de incentivos previstos nas Lei de Informática (Lei 8.248/1991) e na Lei do Bem (Lei 11.196/2005), considerada o principal instrumento de estímulo às atividades de PD&I nas empresas brasileiras.

“Inicialmente o PL tem a premissa de abrir espaço para que a formação de programadores seja livre de licença estimulando a criação de cursos pelo país. O problema é que nem só de programação se constrói um jogo. Ela é apenas um dos pilares junto a áreas como arte, negócios e o lado jurídico que são tão importantes quanto”, avalia Terra, que possui algumas críticas ao projeto.

Segundo o presidente da Abragames, apesar de conter avanços, o texto não viabiliza as mudanças que precisam ser feitas para consolidar o Brasil como um grande produtor de games. “A proposta simplifica muitos conceitos. Existem dois pontos cruciais no texto. O primeiro é a definição do que são jogos eletrônicos. É preciso dar um contexto mais contemporâneo para o que são os games, que são obras audiovisuais em formato de software. A definição que está no marco legal reduz jogos eletrônicos ao entendimento que tínhamos nos anos 90”, justifica.

Outro ponto destacado por ele é a inclusão de um artigo que descreva de maneira geral o que o setor precisa para produzir jogos. “É importante que essas ferramentas essenciais sejam colocadas de forma ampla e geral no texto para que se entenda de uma vez por todas como o setor funciona”, diz.

Bruno Boris, professor de Direito no Centro de Ciências e Tecnologia (CCT) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas, acredita que, ainda que a aprovação do PL possa gerar críticas, a criação de uma legislação dá mais segurança ao mercado.

“A legislação incentiva a criação de empresas e startups que atuam no segmento, o que é muito importante, criando chances de iniciar o desenvolvimento exploratório de um grande mercado no Brasil. Claro que o projeto não impedirá que empresas externas adquiram essas novas empresas no país, mas fortificará o mercado interno, inclusive gerando empregos locais. É importante manter empregos no Brasil, especialmente em um mundo globalizado em que você pode trabalhar virtualmente de diversos lugares do mundo”, analisa.

Jogo não é só entretenimento

 “O PL 2796/21 também estende a aplicabilidade dos games, reconhecendo que os jogos eletrônicos têm usos para além do entretenimento, como nas áreas da saúde, educação e de treinamentos, o que fomenta a criação de novos campos de atuação e expande as possibilidades do mercado”, diz Marcondes. O presidente da ABFS acredita que essa diretriz reforça o papel sociocultural dos jogos e o compromisso universal de bem-estar e convívio social. Para o professor do Ibmec SP, os benefícios dos games na educação são imensos.

“Eles envolvem os estudantes, melhoram suas habilidades de resolução de problemas, aumentam a criatividade e a imaginação e permitem uma aprendizagem mais personalizada e ativa, além de auxiliar no desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais”, diz Ramos.

 Economia criativa

 O setor de games faz parte daquilo que se convencionou chamar de “Economia criativa”, um dos setores que cresce mais rapidamente no mundo. O termo engloba modelos de negócio ou gestão que se originam em atividades, produtos ou serviços desenvolvidos a partir do conhecimento, criatividade ou capital intelectual de indivíduos com vistas à geração de trabalho e renda.

O conceito foi desenvolvido pelo professor John Howkins, em seu livro “The Creative Economy: How People Make Money From Ideas”, publicado em 2001 e traduzido para diversas línguas. Em 2012, foi criada no Brasil a Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural, ligada ao Ministério da Cultura. Entre os setores que compõem a “Economia criativa”, destacam-se:

  • Arquitetura;
  • Artes cênicas e visuais;
  • Artesanato;
  • Cinema;
  • Design;
  • Fotografia;
  • Mídia e publicidade;
  • Moda;
  • Música;
  • Jogos eletrônicos e videogames;
  • Rádio e TV.