O economista Marcio Pochmann teve o nome confirmado para presidir o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na quarta-feira, 26. A decisão, tomada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), gerou repercussões negativas em setores liberais da economia devido à postura desenvolvimentista de Pochmann e à sua filiação ao PT, partido do qual faz parte desde 2011.

Resumo

  • Economista Marcio Pochmann é confirmado como presidente do IBGE, gerando polêmica devido à sua postura desenvolvimentista e filiação ao PT;
  • Especialistas liberais temem manipulação de dados do IBGE para favorecer o governo devido às posições políticas de Pochmann;
  • Pochmann é formado em ciências econômicas e tem trajetória política vinculada ao PT, tendo sido presidente de instituições como o Ipea e Instituto Lula;
  • A nomeação do economista ocorreu sem o conhecimento prévio da ministra do Planejamento, Simone Tebet, gerando desentendimentos;
  • Alguns especialistas acreditam que a sua experiência política pode afetar o IBGE, enquanto outros confiam na sua integridade e na qualidade da equipe técnica do órgão.

O futuro presidente do IBGE possui uma história ligada à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde tornou-se doutor em 1993, professor livre docente em 2000 e, em 2014, professor titular da universidade. O economista se aposentou da Unicamp em 2020, mas seguiu como professor colaborador até agora.

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De perfil mais à esquerda e a favor da intervenção do Estado na economia, Pochmann tem sido encarado com desconfiança por especialistas e comentaristas de cunho liberal que afirmam que ele poderia manipular dados do IBGE para favorecer o governo. Embora não tenha papel central na política econômica, o órgão cumpre funções importantes como fazer o censo demográfico, que influencia políticas públicas, e medir a inflação oficial.

O economista foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2007 a 2012 e é questionado por ter afastado técnicos que não compartilhavam de sua linha de pensamento heterodoxo.

“É uma nomeação polêmica porque ela traz uma bagagem da época em que ele presidiu o IPEA, quando houve grandes debates sobre a posição dele e a posição do próprio corpo técnico. Então há um temor de que isso possa se repetir no IBGE e que as suas posições possam vir a colidir com a posição de manutenção de uma determinada linha de pensamento e de pesquisa do instituto. Não é possível dizer que isso efetivamente acontecerá, mas o seu ‘cartão de visitas’ é complexo”, afirma Gilberto Braga, professor de Economia no Ibmec RJ.

Joyce Martins, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), analisa a questão por outro viés. “Do ponto de vista da Ciência Política, não existe ação sem posicionamento e sem ideologia, isto é, sem visão de mundo. O que parece neutro, na verdade, faz parte da visão dominante. O Pochmann tem preocupação em relação aos direitos dos trabalhadores, à uberização do trabalho e tem um lado claro. Já foi acusado de aparelhar o Ipea e o medo é que, por ser do PT, ele distorça dados para favorecer a imagem do governo. No entanto, ele foi um dos maiores críticos da ideia de que a inserção pelo consumo feita pelas gestões passadas de Lula tinha produzido uma nova classe média”.

A professora da faculdade de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Juliane Furno, considera essas ilações acerca do caráter de Pochmann extremamente condenáveis e também critica a suposta defesa da neutralidade por parte dos que atacam o economista. “Ele tem uma vida pública extensa. Foi secretário de prefeitura, coordenador de grupo de pesquisa, presidente do Ipea, da Fundação Perseu Abramo e do Instituto Lula. Esse tipo de especulação não tem paralelo por tudo o que ele demostrou até hoje. Essa associação entre uma pessoa pública com honestidade teórica em relação à sua visão de mundo e a ‘falta de objetividade’ científica serve apenas à uma concepção errônea que acredita haver algo ‘neutro’”, analisa.

“Nenhum dos economistas e da parte da mídia que critica a indicação de Pochmann utilizou os mesmos argumentos para criticar Campos Neto, presidente do Banco Central, por exemplo. Isso não tem cabimento e serve à criminalização da política”, completa Furno.

Para o cientista político e sociólogo, Antonio Lavareda, a qualidade do corpo de funcionários do IBGE torna muito difícil qualquer tipo de intervenção no trabalho do órgão. “Ninguém que conheça a estrutura do instituto e a excelência de sua equipe técnica poderá supor a possibilidade de desvirtuamento da sua gestão”, afirma.

Ele acredita que as críticas ao ex-presidente do Ipea acontecem pelo fato de ele ser um acadêmico que se envolveu diretamente com a política. “Acho que o fato de ele ser um economista com carreira acadêmica, mas que também se envolveu com a política, tendo disputado várias eleições e presidido a Fundação Perseu Abramo, do PT, o torna um personagem mais polêmico do que se fosse um puro técnico”, diz.

Falha de comunicação

Pochmann entra no lugar de Cimar Azeredo, funcionário de carreira e ex-diretor de Pesquisas do IBGE, que presidia o órgão interinamente desde 3 de janeiro. Na sua breve gestão, Azeredo enfrentou desafios como a conclusão do Censo de 2022. Ao longo de três meses, sucessivos mutirões do IBGE e do Ministério do Planejamento conseguiram incluir quase 16 milhões de brasileiros na pesquisa.

A indicação do economista petista para a presidência do instituto teria ocorrido sem que a ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), tivesse sido avisada sobre a troca, já que o IBGE é subordinado ao ministério. Em declaração dada à imprensa nesta quinta-feira, 27, Tebet falou sobre a questão: “Quero deixar muito claro que já havia um consenso dentro do meu ministério e dentro do Palácio (do Planalto) de que nós faríamos no momento oportuno a troca do presidente do IBGE. Também fui avisada, já não é de agora, mas de alguns dias, que o presidente da República teria um nome e gostaria de fazer uma escolha pessoal em relação à presidência do IBGE. Naquele momento, não perguntei por nomes e muito menos o faria, porque acho mais do que justo esse pedido”.

“O presidente Lula não me fez um pedido até hoje. Nenhum pedido dentro do ministério ou fora. Aliás, ele não me pediu nem sequer pra apoiá-lo no segundo turno. Vocês se lembram que eu fiz uma declaração de apoio antes mesmo de conversar com o presidente Lula. Diante disso, nada mais justo, óbvio, do que atender o presidente Lula, independentemente do nome que ele apresentaria, mas que ainda não havia me apresentado. Então, diante disso, o Ministro Pimenta, não sabendo que na reunião que tivemos com o presidente não havíamos citado o nome, o anunciou preliminarmente e já está colocado. O nome será oficializado no momento certo, depois da conversa que teremos na semana que vem com o presidente Lula. Acataremos qualquer nome que venha”, complementa Tebet.

Os cientistas políticos consultados pela IstoÉ Dinheiro avaliam que esse desencontro de informações não é suficiente para abalar as relações entre o presidente e a ministra. “Acredito que a nomeação, prerrogativa do presidente, não causará abalos na relação dele com a ministra”, diz Lavareda. “A indicação pessoal de Lula era um desejo já conhecido por Tebet. Obviamente, a ministra deveria ter sido avisada antes da imprensa, mas isso não significa que foi traída”, entende Martins.

Quem é Marcio Pochmann

O novo presidente do IBGE é formado em ciências econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 1993, tornou-se doutor pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele faz parte de corrente do pensamento econômico ligada à Unicamp, que defende o desenvolvimentismo econômico e forte papel da indústria nacional.

Pochmann publicou mais de 60 livros na área econômica e venceu, em 2002, o prêmio Jabuti na categoria “Economia, Administração, Negócios e Direito”, com o livro “A Década dos Mitos”. Figura histórica ligada ao PT, o economista presidiu a Fundação Perseu Abramo (ligada ao partido e voltada para elaboração de estudos, debates e pesquisas), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto Lula. Em 2012 e 2016, disputou a prefeitura de Campinas, no interior de São Paulo, mas perdeu as duas eleições.

Em 2018, coordenou o programa econômico do então candidato à Presidência e atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). No final do ano passado, após a eleição de Lula, o economista fez parte da equipe de transição do governo, participando do grupo de Planejamento, Orçamento e Gestão.